Bruno Flávio Lontra Fagundes


HISTÓRIA PÚBLICA PARA ALÉM DA ESCOLA: É POSSÍVEL NO BRASIL?


Entre historiadores brasileiros, há pouco consenso, com forte intuição, sobre o que seja exatamente História Pública, uma vez que muitos profissionais afirmam, com pouco conhecimento: “mas se isso é História Pública, então eu faço História Publica desde sempre”. É relativamente consensual, no entanto, que “o conceito de História Pública não é novo, mas a reflexão sobre sua importância na academia vem crescendo” (ALMEIDA; ROVAI, 2011, p.8). Diga-se: na academia brasileira e não na academia de outros países. Uma vez que, lá, a discussão é bem antiga.

O conceito de História Pública tem trazido, no Brasil, pouca repercussão, como se vê, e o destaque fica mais por conta da atuação da Rede Brasileira de História Pública, que já publicou 2 livros em torno de definições e propostas de compreensão. [ROVAI; ALMEIDA (Orgs., 2011) e SANTHIAGO (Org., 2016)] Estes livro, além de trazerem textos que exemplificam o modo com que se tem utilizado do conceito de História Pública, há uma gama de temas e atividades em que o conceito é considerado aplicável, desde a escola até o projeto de criação da profissão de historiador, passando por história oral, movimentos sociais, artes visuais, canção popular, cinema, história digital, mídias, jongos e quilombos, arquivos históricos, revistas, cidades, vilas, gastronomia etc.

No Brasil, mesmo instável e sem institucionalização – situação que é defendida por alguns autores, por exemplo, Santhiago (2016) – a discussão, se observada em periódicos e livros acadêmicos, desde aí 10 anos para cá, ainda é bem pequena. Os dois livros citados acima têm sido destaques no cenário bibliográfico nacional. Quase que um caso isolado de incidência de História Pública em periódicos acadêmicos, há o dossiê História Pública, de 2014, na revista Estudos Históricos, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. O texto de Introdução do número da revista anuncia um diagnóstico: “O debate sobre a História Pública tem ganhado muita visibilidade entre os historiadores brasileiros nos últimos anos”. O texto, brevemente, registra alguns temas que o debate tem incorporado — como o papel do historiador, a relação de história com políticas públicas, além da “importância social do conhecimento acadêmico e suas possíveis apropriações por diferentes públicos, [o] caráter multidisciplinar da produção histórica e suas várias linguagens”. (p.229)

Apesar de rapidamente posicionar o debate com relação à produção acadêmica brasileira, os editores deste texto, no entanto, finalizam sua prédica sugerindo uma solução de continuidade: “Parece-nos evidente, porém, que o entusiasmo e a dimensão adquirida por essa área de estudos em tempos recentes está a exigir mais reflexões e novas sistematizações”.

A situação em países como Canadá, Estados Unidos, Austrália, Inglaterra, é bem diferente. Além de tratarem do tema há pelo menos 3 décadas, por lá cursos de História Pública são oferecidos vinculados a atuações no mercado de trabalho instituídas e para as quais os cursos de História Pública formam profissionais que não são docentes – nem da universidade, nem da escola. Nos países anglo-saxões, que começaram a discussão, por lá ela sempre veio no sentido de encontrar lugar para historiadores “para além da academia”. Nos Estados Unidos, por exemplo, nos anos 1970:

“jovens historiadores, suprimidos do emprego acadêmico, perceberam potenciais meios de sobrevivência tocando o crescente interesse público pelo passado manifesto em negócios de herança, museus históricos sociais, histórias de família, e o renovado interesse pela história local” (DAVISON, 1991, p.4. tradução nossa)

Autores anglo-saxões são bastante convictos quando falam da História Pública, uma vez que o campo não só é institucionalizado naqueles países – com cursos e associações profissionais representativas -  como o campo tem muita força, uma vez que ser um historiador público é estar atuando com uma formação em História “para além da academia”, onde cabe um historiador e um exercício de retrospecção ao passado, ou mesmo um trabalho que tenha o público em geral como alvo, sem conexão com a discussão intelectual a que se dedicam os historiadores brasileiros. Liddington concorda que história pública esteja ligada a “como adquirimos nosso senso de passado” (2011, p.34).

Naqueles países, que promovem um plano de discussão de História Pública bastante diferente do que tem sido nosso alvo de discussão, o alvo da escola basicamente não existe. Ao contrário, o Brasil tem na discussão do historiador público como um professor de escola grande parte de sua discussão sobre o tema. A escola – assim como atividades educativas e de caráter de formação - tem sido nosso lócus primordial com o qual discutimos a História Pública.

Aos mais apressados, que podem imaginar que a discussão de História Pública naqueles países anglo-saxões deveria merecer a crítica de que a História não pode se tornar mera prestadora de serviços ao Estado, ao capital público e privado, para aqueles é preciso informar que a História Pública naqueles países enfrenta muitas críticas também, dos ditos “scholars” – professores de corte mais erudito alojados na academia. Contra os argumentos de historiadores americanos de que a História Pública é oportunista, rebate-se que ela, no entanto, “oferece excelentes exemplos de colaboração criativa entre acadêmicos e profissionais” [a quem historiadores acadêmicos podem colaborar com seu conhecimento e receber daqueles profissionais conhecimentos também] (LIDDINGTON, 2011, p.36). Revisando o que considera os “paradigmas da História Pública” nos Estados Unidos e na Inglaterra, e como historiadores da Austrália se apropriaram deles, o historiador australiano Graeme Davison (1991) identifica problemas e virtudes, analisa epistemologicamente a História Pública, problematizando o que tem sido traduzido por muitos historiadores no Brasil como algo assim: “história pública igual história anti-acadêmica”. E, por isso mesmo, história ruim, anti-cidadã.

Assim: História nos países em que História Pública é institucionalizada, não quer dizer país de História alienada ou acrítica. Contra uma definição de História que a circunscreva ao público acadêmico, a História Pública anglo-saxã confirma que “historiadores Públicos estão em trabalho sempre, com sua capacidade profissional, eles são parte do processo público”. (KELLEY, 1978, p.111 - tradução nossa). A história, se é pública, é promotora de negócios, business, e gera empregos para jovens historiadores, ao contrário do Brasil, onde o formado em História restringe-se a ser docente, quando não abandona a área e não volta nunca mais.

No Brasil, as práticas escolares e educativas têm sido, provavelmente, o lócus de discussão mais disputado com o fim de caracterizar a História Pública. Entendida também na perspectiva dos “públicos da História” – estendendo a história conhecimento “para além da academia” – o público escolar é, certamente, o maior consumidor de História, e faz bastante sentido se dizer que o professor na escola é um “historiador público”.

E como pode ser a escola e a matéria escolar História, ou como tem sido a participação e atuação de muitos professores que fazem-na aproximar, ou validam a atuação do professor como “historiador público”? O que tem feito o professor a fim de – numa percepção de linhagem anglo-saxã de História Pública – levar a História a um público não-acadêmico, de alguma forma replicando o saber histórico na escola como faz um historiador formado na área que atue, por exemplo, num museu, ou numa cidade histórica como guia turístico, um produtor de material de mídia, profissionais que fazem o que fazem para levar a história a públicos onde ele estiverem?

Em outras palavras: práticas adotadas fora da escola – mesmo, muitas vezes, em ambientes de formação – e trazidas para a escola, quando podem ser adotadas, quais são suas potencialidades de serem para outros públicos e, assim mesmo, caberem na escola como práticas didático-pedagógicas úteis para a matéria escolar História?

Tendo como exemplos pontuais, aqui, o PIBID e o PROFHISTÓRIA, parece-nos factível pensar que professores escolares têm sido educadores versáteis e adotado procedimentos e encaminhamentos didático-pedagógicos que, muitas vezes, reproduzem ações para compreensão de História como se faz com públicos em geral: filmagem de documentários, jogos educativos, oficinas de criação histórica, oficinas de aprendizagem em geral, passeios pelo patrimônio, uso de mídias digitais e audiovisuais para fins de comunicação, museus na escola etc.

Os alunos da matéria de História dentro da escola não poderiam algumas vezes experimentar na escola o que já se faz em ações educativas de museu, o que já se adota na produção de games e jogos, o que se utiliza para produção digital de material audiovisual didático em geral? Alunos de escola não podem estar se sentindo como se não estivessem dentro dela? Não nos parece incomum, e nem sem sentido, que a prática do uso do livro didático muitas vezes tem sido feita mais como apoio para outras atividades didático-criativas do que como uso de um livro que guarda todo o saber a ser decorado ou sabido sem uso de raciocínio e metodologia históricas.

A escola parece estar sendo o grande laboratório no Brasil onde a História Pública tem sido feita, muitas vezes sem o professor saber que está fazendo história pública para conduzir à história quando o faz daquela forma. Professores de escola podem estar sendo historiadores públicos sem saber que estão sendo.

A questão que pode terminar este breve texto recupera o conceito de História Pública de praticantes de História Pública do mundo anglo-saxão que compreendem a História como campo de saber prático, cujo mercado econômico – público ou privado – deve ser preparado para recebê-los, quando já não o recebem como profissionais, sem o que atividades diversas não poderiam ser realizadas: arquivos institucionais, guias e projetos turísticos, museus de empresas privadas, museus – privados ou públicos – apoio histórico a documentos de Estado etc., sem que se recusem a atuarem como historiadores que não sejam críticos e problematizadores.

Talvez seja espantoso para muitos de nós, treinados numa tradição quase positivista de lutar por causas e bandeiras indiscutíveis onde se recolheriam a verdadeira função da História, formados numa tradição francesa de formadores de “cidadãos críticos e participativos – diga-se: tradição de ensino que militou a favor de Estados Liberais – talvez seja espantoso que haja historiadores em outros cantos do mundo fazendo assim, renegando o que seria o próprio da História. O de ser crítico e participativo, mesmo que o custo disso seja o enclausuramento social.

A diferença é clara: há historiadores que são rigorosamente avessos a concepções de História privatistas e formadora da crítica social e política, e há outros para quem a História é de todos, para quem há muitos públicos que querem um entendimento do passado mais pontual, sem requerer um papel e função tão nobres para o conhecimento histórico, e para quem, principalmente, ser historiador também é se preocupar com a conquista de empregos e lugares de atuação que não sejam necessariamente a escola. Se há públicos, há interesses pela História. Kelley (1978, p.111) chega a ser determinista: ”os historiadores têm um modo especial de olhar os negócios humanos, e um modo especial de explicá-los”. Têm uma mente especial, segundo o autor. O historiador poria questões “instintivamente”, e seu procedimento seria “essencialmente [o de] um tipo genético de mente” (p.111 – tradução nossa)

A escola no Brasil – sem querer generalizar – parece-nos o lugar que tem recebido as novidades da atuação de professores criativos que podem ser considerados nalguma medida historiadores públicos – ou que buscam em História para outros públicos inspiração para suas práticas escolares - e que têm entendido alunos escolares não só como pessoas em busca de uma nota no fim do ano, mas como pessoas que gostam de História, como qualquer pessoa de outros públicos. Percebem que é importante fazerem os alunos v(iv)erem a história. ROCHA (2014, p.34) é saliente, analisando produtos “para além da escola e da sala de aula”, indicando como professores “mobilizam esses produtos e espaços culturais”, que conectam “a história escolar à avalanche de informações e formas contemporâneas de comunicação social” (p.33). Citando Le Goff (2003), a autora assinala que Le Goff valoriza a “cultura histórica”, indicando que é importante conhecer “manuais escolares, a literatura e a arte, o estudo de nomes próprios, dos guias de peregrinos e turistas, da literatura de divulgação, dos monumentos, do cinema e tantos outros componentes da cultura histórica” (ROCHA, 2014, p.37).

É assim que cursos de História, e seus historiadores formados, têm de enfrentar os dilemas da profissão: ser historiador público, e lidar com História Pública de modo a ver na escola lócus de públicos que não são só escolares, mas imersos numa cultura de história variada e apresentada de diversos modos, que motivam práticas de História que não admitem ser decoreba de datas cívicas e heróis criados. Como certa tradição de Ensino de História nos acostumou.

No entanto, se para os anglo-saxões o mote do debate é o da História Pública “para além da academia” - onde a discussão se faz em termos de aquisição de empregos, onde as práticas escolares não são objeto de reflexão - não lhes faz sentido falar em “ir além da escola”, uma vez que a escola não pauta seus debates. Ao contrário, no Brasil, o debate da História Pública – se articulado à conquista de empregos e locais de trabalho – tem se circunscrito à escola como lugar por onde se pode falar de historiadores públicos, fazendo com que o mote do debate seja “ir ali na escola” e não “ir além da escola”.

Certamente, a realidade social e econômica brasileira é bastante diferente da realidade dos países anglo-saxões, e este é um fator que jamais pode ficar de fora da análise. Se, no Brasil, história “para além da academia” tem sido mais um emblema de realidade do que uma realidade, uma vez que, no Brasil, ir além da academia é ir além - mas, no máximo, até a escola.

Como ir “além da escola” para formados em História, uma vez que no além escola podem estar empregos e trabalho? Difícil equação. Um conceito brasileiro de História Pública pode nos afastar do debate anglo-saxão, mas ajuda-nos a pensar quais os limites brasileiros para o debate do tipo anglo-saxão de História Pública traduzido como “ir além da academia”.

Para fazer com que História Pública seja entendida, e praticada por aqui como “ir além da academia” é preciso que a sociedade e historiadores talvez aceitem outras funções da História, aceitar que onde há públicos há história, e ela não é monopólio de historiadores acadêmicos, e ela pode ser tratada por outros de um modo diverso do que a academia deseja que seja.

Economia e cultura fechadas e sem oportunidades vão estimular pouco historiadores formados a perseverarem por muito tempo num campo profissional cujo destino é bastante incerto no Brasil e oferece unicamente uma chance de trabalho e, mesmo assim, muitíssimo concorrida e desgastante, a profissão de professor, desvalorizada, fácil de atrair profissionais para lugares “além da escola”.

História Pública além da escola no Brasil é possível?
Não parece estar sendo possível, muito embora haja demandas que, não sendo supridas pela escola, os alunos vão buscá-la onde, na imensa maioria das vezes, não há historiadores treinados: vídeos, museus, Web, turismo, patrimônio, história digital, revistas, jornais e tantos outros espaços em que cabem historiadores, mas onde eles não estão, porque seu lugar é a escola, exclusivamente. Seu destino é ir até a escola. É verdade que falta economia dinâmica e mercados de trabalho brasileiros, com oportunidades de outros trabalhos para historiadores, mas também sobra concepção de História não-pública, que enrijece a História aos corredores de universidades e salas de debate acadêmico.

A solução que tem sido encontrada no Brasil para o desenvolvimento de uma discussão de História Pública é a de tomar o que historiadores formados professores têm feito, mas a partir, em boa parte das vezes, o que veem e aprendem fora da universidade, em práticas de ensino/aprendizagem em História e que eles trazem para a escola. A história se passa fora da escola e o historiador professor brasileiro consegue ir “além da escola” mas para voltar a ela.

Até quando, e quando, será possível fazer, e discutir no Brasil, História Pública para “além da escola”, se é nela que está praticamente a única chance de ser profissional de História no Brasil? Enquanto não é diferente disso, a escola é o laboratório onde a História Pública tem promovido as melhores discussões e debates.

Faltará daqui a pouco uma pesquisa que apure os efeitos dessa História Pública nas escolas, a maneira com que se faz no Brasil. E o que a discussão nacional pode colaborar com a discussão internacional.

Referências
Bruno Flávio Lontra Fagundes é professor adjunto da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) e coordena o PROFHISTÓRIA. 

DAVISON, Graeme. Paradigms do Public History. Australian Historical Studies, v.24, n.96, p.4-15, 1991.

KELLEY, Robert. Public History: its origins, nature, and prospects. The Public Historian, v.1, n.1, p.16-28, 1978.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5ª ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.

LIDDINGTON, Jill. O que é História Pública? In: ROVAI; ALMEIDA (Orgs.). Introdução à História Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011.p.31-52.

ROVAI; ALMEIDA (Orgs.). Introdução à História Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011.

SANTHIAGO (Org.) História Pública no Brasil. Sentidos e Itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.

REVISTA DE ESTUDOS HISTÓRICOS. Dossiê História Pública, Introdução. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, v.27, n.54, p.229-230, 2014.

ROCHA, Helenice. A presença do passado na aula de História. In: MAGALHÃES, Marcelo et al. (Orgs.). Ensino de História: usos do passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: Ed FGV, 2014. p.33-52.

15 comentários:

  1. Professor Bruno.
    Escolhi seu texto para ler pois o título me trouxe um termo que não me era familiar e gerou a curiosidade de aprender. Porém foi uma grata surpresa perceber que conheço o autor, estivemos no Simpósio temático da ANPUH em Brasília no ano de 2017.
    Minha pergunta ao senhor é a seguinte: Por história pública estamos admitindo a exploração de espaços e meios que extrapolam o ambiente da academia, certo? Então o PROFHISTÓRIA estaria gerando uma acervo considerável de trabalhos de História Publica nas escolas? Seria ele um marco da história pública brasileira mesmo que grande parte desses mestrandos nem ao menos saibam que estão fazendo história pública?

    Assina: Aletícia Rocha da Silva

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    1. Olá Aletícia, prazer em revê-la, obrigado pelas considerações. Você fala algo importante. Que vou te dizer qual o alcance. Pelo que percebo, porque sou professor e coordenador de Profhistória, é que os alunos do curso não estão falando em Hist Pública não. Embora você possa qualificá-los assim: historiadores públicos, uma vez que tratam de outro público, o público em geral - porque alunos de escola são público em geral, sem o crivo da validação científico-acadêmica do conhecimento histórico. Sobre Hist Pública extrapolando o ambiente acadêmico, sim, na origem estrangeira do termo a preocupação era com a falta de empregos e por isso a questão era reconhecer, legitimando, que o historiador tivesse trabalho fora da academia, ficando a universidade estudando paradigmas que justificassem este movimento de ir além e verificando até quando isto era possível sem ferir critérios de validação acadêmica do conhecimento. Em outros países, normalmente anglo-saxões e europeus, a história pública existe em cursos de formação, em nível normalmente de pós-graduação, convivendo com a formação para o exercício intelectual mais acadêmico. Não é isso que há no Brasil. Ir além da academia no Brasil é fazer um percurso, digamos, sozinho, uma “carreira solo”, ir sem o apoio do curso, sem a sanção institucional. Então, voltando a sua pergunta, acho que o Profhistoria está formando um acervo de trabalhos em história pública, por definição. Mas é um acervo de trabalhos feitos por pessoas que não se entendem como historiadores públicos – pelo menos é assim onde eu dou aulas – nem problematizam isso. Aparentemente por não estarem ligados à discussão. Porque é verdade que muitos historiadores dizem que fazem hist. Pública sem saber que o fazem e dizem que muitos fazem hist. Pública sem saber que o fazem. Respondendo mais diretamente a sua pergunta, acho que o profhistória está e não está gerando um acervo de trabalhos de história pública. Seria preciso verificar o teor dos trabalhos, das pesquisas: muitos trabalhos, ao não se auto-designarem como “de hist. Pública”, deixam de fazer considerações importantes e seguem sendo muito mais trabalhos de Ensino de História. Numa perspectiva, dependendo da definição de história pública que é adotada, o trabalho nas escolas, o Ensino de História, é Hist Pública. Mas se vc não tiver esta perspectiva, as pesquisas no Profhistória continuarão sendo trabalhos de Ensino de História e não de Hist Pública. Caberá então a você, analista, verificar pelos termos de definição que vc adotar quanto ao que seja Hist Pública, identificar aquele trabalho, mesmo não assumindo que seja, como um trabalho de Hist Pública. Se vc assim o fizer, vc poderá “criar um acervo” de hist. Pública em pesquisas do Profhistória. Assim como vc poderá criar um acervo de hist. Pública de todo trabalho de Ensino de História que trate de situações escolares e não escolares de ensino. Espero ter sido claro. Obrigado uma vez mais.

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  2. Olá, Bruno. Adorei o seu texto. Tenho lido sobre História Pública ultimamente, justamente pelos dois livros que você comentou em seu texto. Pretendo utilizá-la como embasamento teórico da minha pesquisa, mas acabam surgindo algumas dúvidas e o seu texto me instigou algumas delas. A História Pública, então, pode ser considerada como a área que também investiga essas narrativas históricas que circulam na sociedade e que não são especializadas? Por exemplo: meu interesse está nas narrativas difundidas por páginas do Facebook, vídeos do YouTube, etc. São muitas ideias de "nazismo", "ditadura militar", entre outros temas polêmicos da História que voltaram a aparecer ultimamente. Temas que os alunos entram em contato via internet, e acabam levando para dentro de sala de aula. Enfim, meu interesse está neste debate, e a principal questão é se a História Pública pode ser considerada uma disciplina que investiga essas narrativas não especializadas.

    Espero ter sido claro.
    Desde já, agradeço sua atenção.

    Um Abraço,

    Matheus Henrique Marques Sussai

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    1. Prezado Matheus, obrigado pelas colocações.
      A meu ver, a discussão sobre Hist Pública no Brasil vive uma grande onda, uma onda que carrega uma capacidade de análise que é específica, porque coloca em dúvida a ideia de um só público de história, o público especialista. Não. A história pública, ao se perguntar sobre outros públicos de História, ela tem de reconhecer a legitimidade destes públicos em conhecerem história e aceitarem histórias que os atinjam ou que falem mais a seus corações e interesses. Por isso, respondo “sim” a sua pergunta: “A História Pública, então, pode ser considerada como a área que também investiga essas narrativas históricas que circulam na sociedade e que não são especializadas?” Ela investiga narrativas não-especializadas – embora autores dos campos da Teoria da História e do Ensino de História estejam fazendo discussões sobre estas narrativas que vc quer estudar há algum tempo já. E fazendo bem, sem o nome de História Pública. Acho que a História Pública valoriza componentes da análise que outros campos não valorizam prioritariamente. Mas a Hist Pública faz mais ao colocar a questão dos públicos: por que produzir história só para públicos acadêmicos? Se existem outros públicos interessados em História mas não-formados, como considerá-los? Como a formação acadêmica em História pode formar para que possam os historiadores de formação participarem também destas produções, elevando a qualidade – se vista por critérios de validação acadêmica - do que se produz para outros públicos? A Hist Pública visa esta produção, mas não só isso. Ela também avalia a relação entre o produtor e o receptor de história, reconhecendo que existam outros produtores e outros receptores que devemos conhecer. A meu ver, no fundo, Matheus, no Brasil a discussão sobre Hist Pública carece de discussão sobre o componente “mercado de trabalho” da equação. Se não aceitamos isso ficamos o tempo todo estigmatizando o que é produzido por não-historiadores para públicos em geral, e mesmo estigmatizando colegas acadêmicos que veem nestes outros públicos potenciais leitores e receptores. Em nome de uma “qualidade de história” que ora é defesa de qualidade, ora é defesa corporativa de lugares. Isto não é nada fácil de dizer, porque acende reações corporativas, muitas vezes.O que é uma dificuldade da Hist Pública. O normal é que não reconheçamos públicos para além dos próprios pares, o que a Hist Pública subverte, advogando que estes públicos são públicos da história também, e é preciso conhecê-los, é preciso dizer história a eles também. Como fazer isso segundo critérios de validação científica de história que são reconhecidos e validados pela academia, mas não por outros públicos? A Hist Pública desfaz estes interditos e valoriza outros públicos e sua aceitação de histórias sem qualidade do ponto de vista acadêmico. Como fazer boa história para públicos que não sabem reconhecer o que são boas ou más histórias? Eis a questão. É um desafio. Outro modo de ver é pensar que não são histórias nem boas nem más. São histórias simplesmente. Não importa que a ciência a certifique, mas basta que seus públicos a admitam e acreditem-na adequada. Outro desafio. E estes desafios a Hist Pública problematiza. Situação que, a meu ver, ameaça historiadores acadêmicos, que a repugnam algumas vezes. Mas esta é outra discussão. Obrigado. Bruno F L Fagundes

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  3. Boa noite, prof. Bruno. Fico pensando se há relação entre a legalização da profissão de Historiador no país e a presença desses profissionais nos espaços não escolares? Esse reconhecimento legal não seria um primeiro passo rumo a saída do historiador para os espaços não escolares e um trato diferenciado nas pesquisas sobre história pública?

    Att, Marcos Célio Cavalcante de Oliveira

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    1. Prezado Marcos Célio.
      Penso que exista uma conjuntura. Ligada a graves problemas de desemprego de historiadores na universidade, e em geral. Não é natural que sejamos apenas professores. A criação da profissão de historiador é um item desta conjuntura. Se vc verificar o texto final do PL sobre a criação da profissão, verá que ele não cria a figura do pesquisador acadêmico, mas a do produtor de história e do prestador de serviços. Sem institucionalidade e sem apoio institucional, historiadores já fazem serviços e produção em História fora da academia. E o PL restringe a sala de aula ao profissional licenciado. Este historiador a ser criado para espaços não-escolares é o bacharel acadêmico “de mercado” – na falta de uma expressão melhor – de um mercado não só econômico, mas social também, como ONGs, Museus, órgãos públicos e outros. O PL da legalização, em tese, pode promover historiadores “fora da academia” ... e da escola!!! Então, concordo com vc: o PL favorece a historiadores fora de espaços escolares. Qual a situação que estou propondo em meu texto? o de que a História Pública discutida no Brasil, quando comparada com outras Histórias Públicas discutidas em outros países, tem sido pensar história além da academia ... conseguindo ir no máximo até a escola. O que tenho visto discutido aqui no Brasil é que a discussão fica bem mais fácil quando este outro lugar é a escola. Quando vc verifica o que acontece em países como Austrália, Estados Unidos, França, Canadá, Inglaterra, a História Pública se institucionalizou em cursos e currículos regulares com a finalidade de formar para outras atividades além da academia, mas também além da escola. Com a sançao institucional. Minha hipótese se incorpora na pergunta feita no título de meu trabalho: História Pública para além da escola: é possível no Brasil? O que tenho visto é que a discussão acadêmica no Brasil sobre a História Pública realça a Hist Pública feita na escola. Acho que há a seguinte situação: o PL da criação da profissão reconhece historiadores além da academia, mas os cursos de História não discutem algo que promova isso, nem propõem formação, em qualquer nível em Hist Pública, como se faz nos países acima, onde convivem a formação para a academia com a formação para outros espaços não-acadêmicos e não-escolares, mas a escola tem sido o escoadouro da Hist Pública no Brasil. Em dois sentidos: um, que é o de estabelecer o limite até onde a discussão pode ir e é validada, e noutro sentido, que eu definiria como “história pública feita ao contrário”: professores de escola que têm atuação em espaços não-escolares vão a eles e, quando voltam como professores, repassam o que aprenderam com outros públicos e em outros ambientes para dentro de sala de aula. Qual seja: o historiador vai para outros públicos, mas não fica lá. E volta para a escola, para onde leva práticas de aprendizado e de ensino adotadas em situações extra-escolares. Isso explica o título de meu texto: será possível Hist Pública no Brasil além da escola? O que tenho visto é que não: no máximo, o historiador-professor vai a outros públicos e volta à escola. Se o PL da criação do historiador em tese promove espaços não-escolares como atuação, se ele é “um primeiro passo rumo a saída do historiador para os espaços não escolares”, a discussão acadêmica não favorece isso. Se o PL favorece atuação em espaços não-escolares, a discussão acadêmica já poderia estar fazendo essa discussão para adotar medidas que nem precisariam esperar os efeitos do PL. Mas muitos historiadores da universidade não parecem fazer muita questão disso, admitindo, na prática, que os efeitos da Hist Pública vão até no máximo a escola. Por que será?

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  4. Boa noite
    Parabéns pelo texto. As obras sobre história pública, a meu ver, ainda buscam analisar trabalhos produzidos no âmbito da academia, trabalhos de historiadores sobre cinema, música, história digital, etc. penso que ainda falta produção sobre as narrativas históricas produzidas por não historiadores, as quais na maioria das vezes, tem maior alcance do que as produções acadêmicas. Blogs, livros, canais no you tube, etc. com conteúdos produzidos por exemplo, por jornalistas e cineastas. O que o Sr. pensa sobre essa questão?
    Ernesto Padovani Netto

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    1. Prezado Ernesto, obrigado por sua colocação.
      Também entendo como vc que os autores de Hist Pública poderiam discutir mais o “maior alcance” de produções históricas de não-historiadores. Mas, Ernesto, mesmo se não está embalada pela Hist Pública, há historiadores que já estão discutindo o conteúdo de blogs, biografias, conteúdos de sites e produções documentárias e de comentários – enfim, produzidos por jornalistas, cineastas e, digamos, por outsiders. Isso já existe, não como textos nomeados como de Hist Pública, embora tenham o mesmo caráter. Concordo com vc que “ainda falta produção sobre as narrativas históricas produzidas por não historiadores”, mas no campo da produção acadêmica da História Pública. No campo da discussão sobre Teoria da História e Ensino de História, por exemplo, estas produções não-especialistas estão sendo discutidas, quase sempre criticadas. O que eu acho falta nas discussões sobre Hist Pública mesmo, feitas academicamente é discutir como favorecer que historiadores de formação também possam ser produtores de História não-acadêmicas voltadas para outros públicos, e mesmo discutir se nossos cursos não podem contemplar esta formação também. Como se faz há mais de 3 décadas em países europeus e anglo-saxões, onde existem cursos de História Pública, muitos convivendo com cursos de História de teor acadêmico que formam historiadores que se dirigem estritamente ao público especialista. Isso eu acho que faz falta na discussão brasileira sobre a Hist Pública.

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  5. Alex Campos de Souza11 de abril de 2018 às 14:45

    Boa Noite professor Bruno. Gostei do seu texto, muito informativo e enriquecedor. Percebi que suas ideias podem ser utilizadas na prática, não só em sala de aula mas inclusive em salas de aula, visando combater o principal paradigma escolar, que é o de atrair o aluno para o estudo através de atividades que lhes proporcionem prazer e o tema ESCOLA PÚBLICA é muito pertinente. Pelo que entendi escola pública é uma forma de se produzir história fora da academia, podendo ser realizada em conversas, passeios, visitações de museus, cidades históricas, também pode ser produzida pelos alunos através de pesquisas de entrevistas com moradores de seus bairros, de suas cidades, pesquisas em acervos de jornais sobre reportagens de suas respectivas cidades, passando a despertar nos alunos um senso de cidadania, de identidade e proporcionando o prazer de conhecer seu próprio passado e das pessoas que os rodeiam, dessa forma os alunos ficam sendo seres muito mais ativos e multiplicadores da História e do prazer de se estudar História, podendo ser consideradores como historiadores informais, historiadores públicos, capazes de produzir conhecimento público nas escolas e nas comunidades. Acredito que iniciativas como essa não deveriam ficar somente nas escolas, mas também deveriam ser multiplicadas nos bairros, dentre as pessoas comuns afim de difundir a Historia pública buscando cada vez maior número de adeptos, concorda comigo? Como o senhor acha que na prática deve ser feita a difusão da História pública, devemos contar sempre com apoio governamental para difundi-la ou podemos difundi-la de forma autônoma. Poderia citar exemplos práticos?

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  6. Boa noite, muito esclarecedor o seu texto em um tema muito pouco debatido no Brasil. Agora, como você enxerga o uso de mídias sociais como youtube por outras pessoas que não formadas em história? Grato, Marlon Barcelos Ferreira

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  7. Layana Márcia Carvalho Pereira13 de abril de 2018 às 06:47

    Bom dia, Como podemos trabalhar no Brasil a história não apenas para sermos docentes , mas, ir além da docência, tendo sempre novas oportunidades como em outros países; o professor sendo um historiador publico indo alem da academia?
    Layana Márcia Carvalho Pereira

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  8. Layana Márcia Carvalho Pereira13 de abril de 2018 às 06:53

    Bom dia. Professor Bruno seu texto foi muito enriquecedor; sei que as dificuldades são grandes. Como posso ajudar a professores irem além da academia. Trabalhar realmente a história como em outras arias como: Museu, guia turistico, levando a historia pública ao mundo?
    Layana Márcia Cavalho Pereira

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  9. Layana Márcia Carvalho Pereira13 de abril de 2018 às 07:10

    Bom dia; professor com seu texto refletir. Como podemos levar para sala de aula o que estudamos na Universidade; Para nossos futuros Historiadores possam ir além da sala de aula?
    Layana Mácia Cavalho Pereira

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  10. Layana Márcia Carvalho Pereira13 de abril de 2018 às 07:15

    Bom dia. Os professores de historia vivem um dilema que veem percorrendo durante anos, que a disciplina de história não é apenas decoreba , mas mas é algo bem mas além. Como podemos mudar esse pensamento pequeno com relação a disciplina?
    Layana Marcia Carvalho Pereira

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  11. Professor Bruno, boa tarde!
    Escolhi seu texto pois não compreendia o conceito de História Pública. Seu texto foi bastante claro e enriquecedor! Obrigada. Gostaria, no entanto, de fazer-lhe uma pergunta já que seu conhecimento sobre o assunto demostra ser bastante amplo: você considera que o investimento na História Pública poderia ser uma alternativa para que a história, como campo disciplinar, não perca espaço devido a reforma na Base Curricular?
    ISA MENDES VITAGLIANO

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