Matheus Henrique Marques Sussai


AS NARRATIVAS HISTÓRICAS FORA DA ACADEMIA E DA ESCOLA: UMA CONVERSA ENTRE A HISTÓRIA PÚBLICA E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA


Atualmente, cada vez mais as pessoas passam o seu tempo na internet, principalmente frequentando sites de redes sociais, como o Facebook, Twitter, Instagram, entre outros. O YouTube também pode entrar nessa lista, pois, mesmo não sendo um site criado com o intuito de uma rede social, mas para a publicação de vídeos na web, este se torna cada vez mais uma plataforma que imbrica diversas ferramentas, incluindo os comentários de usuários nos vídeos postados, gerando relações sociais iguais as que vemos nas outras plataformas citadas acima.

O Facebook é a rede social em que utilizamos em nossa pesquisa para poder investigar as ideias de história que circulam na web. Nesta plataforma, muitas páginas foram crescendo nesses últimos anos e levando consigo milhares de seguidores que debatem, curtem, comentam e compartilham de suas ideias/publicações. Logo, muitas dessas páginas postam conteúdos com ideias históricas muitas vezes duvidosas, mas que conseguem muitos expectadores. Pedidos de intervenção militar acompanhados de ideias históricas que fazem apologia à Ditadura Militar no Brasil são cada vez mais frequentes. Comparações anacrônicas entre Nazismo e Comunismo, e a própria relativização do Nazismo compõem as narrativas históricas que circulam na web e conseguem cada vez mais respaldo.

Devido a isso, este texto tem o objetivo de discutir as perspectivas teóricas que consideramos substanciais para embasar a nossa investigação. São elas: a Didática da História e a História Pública. Duas disciplinas que surgiram de forma diferente, em lugares diferentes, mas que auxiliam na discussão sobre narrativas históricas fora da academia, fora da escola, mas com alta conotação pública. Essa é uma discussão que vem sendo feita em nossa pesquisa, e parte dela já foi apresentada no evento “XVII Semana de História, X Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História Social, V Encontro das Especializações em História” da Universidade Estadual de Londrina, no ano de 2017.

A volta da Didática da História e sua conexão com a vida
Começando com a Didática da História, Jörn Rüsen [2011] nos diz que: “devido à crescente institucionalização e profissionalização da história, a importância da didática da história foi esquecida ou minimizada.” [RÜSEN, 2011, p. 25]. Foi principalmente no final do século XIX, com a cientifização da história, que se consolida a separação da História da vida prática [SADDI, 2010, p. 69]. Então, foi quando a História se concretizou enquanto ciência que ela se desvinculou da Didática da História. A História não tinha mais a máxima ciceroniana como sua base: História Mestra da Vida.

Assim, a História enquanto ciência ficou reservada apenas para um grupo que se considerava especialista na área. Enquanto a Didática da História “reduzia-se à elaboração de métodos para transmissão de um conhecimento que ela mesma não produzia. O historiador produzia o conhecimento, o didático transmitia.” [SADDI, 2010, p. 70]. A história não possuía mais o seu vínculo com o cotidiano, com a vida prática. Em outras palavras, a História se distanciou da vida. Ronaldo Cardoso Alves [2013], ao também discutir essa cisma, argumenta: “A cientifização da História que poderia aprofundar sua aproximação à Vida, por meio da sistematização do pensamento histórico, utilizou esse atributo para dela se distanciar.” [ALVES, 2013, p. 55].

Nos anos de 1960 e 1970, na Alemanha, ocorre o que é chamado de crise de legitimidade da Ciência Histórica e do Ensino de História. Isso ocorreu porque nenhum dos dois (ciência e ensino de história) estavam capacitados para atender as demandas da sociedade alemã, colocando os historiadores frente a um desafio: comprovar o papel legitimador da História na vida , na cultura e na educação [RÜSEN, 2011]. Assim, ocorre uma mudança de paradigma, na qual temos a reinserção da Didática da História na Ciência Histórica, fazendo com que a vida prática deixasse de ser negligenciada.

Assim, a Didática da História retoma o seu papel dentro da História, buscando investigar as consciências históricas dos sujeitos. Por consciência histórica, entendemos que é a “constituição de sentido sobre a experiência do tempo [...]. A capacidade de constituir sentido necessita ser aprendida, e o é no próprio processo dessa constituição de sentido.” [RÜSEN, 2010, p.104]. Em outro trabalho, o historiador Jörn Rüsen complementa que a “consciência histórica pode ser analisada como um conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade do pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana.” [RÜSEN, 2011, p. 37]. A História tem que ter conexão com a vida prática, é isso que defende o campo da Didática da História ao investigar as formas de elaboração do conhecimento histórico em diversos meios.

Para Rafael Saddi, o objeto central da Didática da História é a Consciência Histórica. A partir da leitura que Saddi faz de Jeismann, o autor argumenta que qualquer afirmação sobre o passado possui um processo didático inerente. Ou seja, toda história, seja ela cientificamente regulada, ou não, nos diz alguma coisa, reflete em alguma coisa no presente [SADDI, 2010, p. 74]. Temos que nos atentar para todas as formas de elaborações do passado. Tanto aquelas que passam pelo crivo da ciência, quanto às produções culturais extraescolares e não acadêmicas (filmes, jogos, livros, entre outros). Por isso o nosso interesse em investigar páginas do Facebook que disseminam ideias históricas extraescolares e anticientíficas.

A Didática da História não pode mais estar dissociada da vida prática. Essa renovada Didática da História se interessa pelos “usos públicos da história”, que também são feitos por páginas do Facebook. Sonia Wanderley (2016) diz que tal disciplina agora investiga:

“[...] todos os espaços produtores/divulgadores de conhecimento histórico: a academia, a escola, o museu, o teatro, a propaganda, e também as mídias – sejam as clássicas, jornal, cinema, televisão, ou as novíssimas, como as relacionadas à informática, em especial a web. Todos são vistos como espaços de produção e uso público da história.” [WANDERLEY, 2016, p. 208].

Como podemos ver, a autora defende que todos os espaços produtores e divulgadores da História, aqueles que fazem o uso público da História, devem ser de interesse da Didática da História. Ela é a disciplina que investiga qualquer forma de elaboração da História, inclusive as extraescolares [BERGMANN, 1989/1990].

História Pública: a história que vaza pelos poros da academia
A História Pública surge nos Estados Unidos da América em meados da década de 1970. Ela está muito ligada ao desemprego dos profissionais da área de História nos EUA. Foi na University of California, de Santa Barbara, que “O historiador fundador dali declarou: ‘A história pública refere-se ao emprego de historiadores e do método histórico fora da academia’ [...]” [LIDDINGTON, 2011, p. 34]. Para alguns, a denominação da “História pública” é apenas um novo nome para uma forma de História que já é antiga: o estudo dos usos do passado. De qualquer forma, essa nomenclatura vem ganhando espaço nos programas de pós-graduação em História.

A Austrália também tem parte nesse movimento pioneiro da História Pública, na qual surgiu um pouco mais tarde que a dos EUA (década de 1990), até certo ponto como uma crítica a eles, mas também relacionadas com questões referentes ao desemprego dos graduados em História. Era hora de achar outro lugar para a atuação de historiadores. A Grã-Bretanha também não ficou de fora dessa discussão, o movimento aparece também na década de 1990. Mas a História Pública que veio da América não deu certo. Foi principalmente a área do “Patrimônio e Memória” que se dedicou a essa perspectiva de estudo. Em 1997, a revista Oral History lançou uma seção de história pública com o enfoque nos usos e representações públicas do passado, já levando em conta as novas tecnologias e os web sites. [LIDDINGTON, 2011].

Sobre a definição de História Pública, não há uma resposta única sobre o que ela é [LIDDINGTON, 2011]. Jurandir Malerba [2016] nos atenta para a expansão vertiginosa do público consumidor de história nos últimos anos. O autor ainda diz que: “A história não mais [...] se produz somente na academia; muito menos se veicula apenas por meio do livro impresso. As plataformas digitais subverteram as bases da produção e circulação das narrativas sobre o passado.” [MALERBA, 2016, p. 11]. Nessas bases digitais, qualquer pessoa pode colaborar na compreensão sobre o passado, e também nos usos deste.

Existe uma demanda social por História, e o que ocorre é que essa demanda crescente não está sendo suprida pelos historiadores. Estes, dificilmente produzem para fora da academia. Por isso, jornalistas, documentaristas, cineastas, romancistas, divulgam versões historiográficas com grande penetração na cultura, enquanto a Academia passa ao largo desse tipo de atividade. [ALBIERI, 2011, p. 23]. Para a historiadora Jill Liddington, os últimos anos presenciaram uma “[...] explosão de representações populares do passado.” [2011, p. 31]. E a autora pensa a História Pública como sendo justamente “[...] a apresentação popular do passado para um leque de audiências [...]” [LIDDINGTON, 2011, p. 34].

Ricardo Santhiago [2016], ao falar de História Pública, expõe bem o que acontece com os trabalhos dos historiadores. São muito poucos os trabalhos que conseguem se destacar no meio das produções de alguns jornalistas e outros profissionais que não são da história. “São poucas apreciações sérias em meio a muitos aforismos polemistas. Infelizmente, o Brasil não tem tido muita originalidade [...]” [SANTHIAGO, 2016, p. 29]. Não estamos querendo defender que um jornalista não possa fazer um trabalho historiográfico com qualidade. Muitos já o fazem com o respaldo científico da história. Mas as produções que queremos chamar a atenção aqui são aquelas em que o objetivo foi apenas mercadológico, na qual se inserem várias “teorias da conspiração” em trabalhos de história que deveriam ser sérios. Produções que o maior objetivo foi causar algum impacto, fazer polêmica e vender, não tendo nenhum respaldo científico ou seriedade metodológica.

Sobre o objeto de estudo da História Pública, Ricardo Santhiago diz:

“Pelo menos desde a emergência das mídias, inúmeros escritores, jornalistas, cineastas, artistas e outros agentes têm enformado e difundido o verbo, o som e a imagem do passado para audiências não acadêmicas. Com o aguçamento de demandas sociais por história e memória, a disseminação de recursos tecnológicos e, por fim, a popularização da internet, as formas adquiridas pelo chamado “espírito público da história” se multiplicaram, pouco ou nada dependendo da instituição de um campo formalizado de debates.” [SANTHIAGO, 2016, p. 24].

Como podemos ver, a História sempre achou uma forma de sair do campo da academia e ir para um público mais amplo. Já que a academia não dá a devida atenção a esse público, a história “vaza” pelos poros e chega a um público amplo a partir de diversas narrativas não produzidas por historiadores. O erro dos historiadores foi não ocupar esses espaços e outros acabaram por fazer. Tanto como Ricardo Santhiago escreveu acima, quanto a outros historiadores que discutem essa questão da História Pública, concordam que a internet se mostrou um lugar propício para a difusão de narrativas populares do passado.

Anita Lucchesi e Bruno Leal Pastor de Carvalho dizem que:

“O fascínio pelo passado encontrou no ambiente digital terreno fértil para se desdobrar em produções culturais, de variados portes, ou, simplesmente para se manifestar publicamente em perfis pessoais, comerciais e institucionais das mais diversas redes sociais, como Facebook, Instagram, Twitter, Flickr.” [LUCCHESI; CARVALHO, 2016, p. 155].

São em páginas do Facebook, em canais de vídeos do YouTube, em comentários no Twitter, entre outras redes sociais, que os usos do passado aparecem nas mais variadas perspectivas. Essas narrativas que atuam na rede, são do interesse da História Pública.

Considerações finais
Tanto a História Pública, quanto a Didática da História se interessam pelos usos do passado. O objetivo está em investigar essa história que circula na sociedade, nos mass mídia, no museu, na escola, na web, etc. Definições extraescolares e não acadêmicas de “nazismo”, “comunismo”, “Ditadura Militar brasileira”, entre outros, estão fazendo sentido para algumas pessoas. Vemos muitas defesas a regimes totalitários nas redes sociais online, muita confusão nas leituras sobre “stalinismo” e “nazismo” (muitas vezes visto como pertencentes à esquerda política e representantes das mesmas causas). São usos do passado no nosso presente, no qual tanto a Didática da História e a História Pública podem nos ajudar a investigar essas questões, fazer um levantamento dessas ideias, e analisar essas narrativas para colaborar com os estudos da Didática da História e da História Pública.

Referências
Matheus Henrique Marques Sussai é mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGH) da UEL. Bolsista CAPES. Orientadora: Profa. Dra. Márcia Elisa Teté Ramos.

ALBIERI, Sara. História pública e consciência histórica. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; ROVAI, Marta G. de O. (Org.). Introdução à história pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. p. 19-28.

ALVES, Ronaldo Cardoso. História e vida: o encontro epistemológico entre Didática da História e Educação Histórica. História & Ensino, Londrina, v. 19, n. 1, p. 49-69, jan./jun. 2013.

BERGMANN, Klaus. A História na reflexão didática. Revista Brasileira de História. v.9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42.

LIDDINGTON, Jill. O que é a História Pública? Os públicos e seus passados. In: ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; ROVAI, Marta G. de O. (Org.). Introdução à história pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. p. 31-52.

LUCCHESI, Anita; CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. História digital: Reflexões, experiências e perspectivas. In: MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo; SANTHIAGO, Ricardo (Org.). História pública no Brasil: Sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 149-163.

MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: Desafios ao conhecimento histórico na era digital. Texto de Divulgação. 2016. Disponível em: <https://www.academia.edu/27247441/Os_historiadores_e_seus_p%C3%BAblicos_Desafios_ao_conhecimento_hist%C3%B3rico_na_era_digital>. Acesso em 18 de janeiro de 2018.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende [Org.]. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011. p. 23-40.

______. História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010.

SADDI, Rafael. Didática da história como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, p. 61-80, 2010.

SANTHIAGO, Ricardo. Duas palavras, muitos significados. Alguns comentários sobre a história pública no Brasil. In: MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo; SANTHIAGO, Ricardo (Org.). História pública no Brasil: Sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 23-35.

WANDERLEY, Sonia. Narrativas contemporâneas de História e Didática da História escolar. In: MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Juniele Rabêlo; SANTHIAGO, Ricardo (Org.). História pública no Brasil: Sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 207-217.


11 comentários:

  1. Caro Matheus, seu trabalho traz provocações e comentários extremamente pertinentes tanto ao educador quanto ao pesquisador.

    Gostaria de trazer uma provocação de outra área sobre problemas de fechamento conceitual (como a dificuldade e falta de consenso em definir História Pública) e separação entre o produtor e o transmissor de conhecimento (academia versus escola). Vários pesquisadores apontam a dificuldade de conceituar consensualmente 'vida' (vida como coisa) e reconhecem ser mais fácil pensamos no 'processo de viver'. Será que a História também não se beneficiaria ao ser pensada e ensinada como 'processo historiográfico'? Trocarmos o ensino 'de eventos e acontecimentos do passado' por um ensino de 'como acessar este conhecimento', principalmente numa época em que há excesso de informação em diversos meios externos à escola?

    (penso aqui num debate livre onde possamos negligenciar entraves burocráticos como as grades curriculares e programas de ensino)

    Renan Ramos Chaves

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá, Renan. Agradeço muito pelas suas considerações. Sobre os seus apontamentos. Realmente, a História Pública, seja ela velha ou não (existem muitas discussões sobre isso), a questão é que a discussão sobre o que ela realmente é, pode ser considerada bem nova. No Brasil, dois livros foram publicados recentemente por um grupo de pesquisadores que se enquadram neste campo. Os trabalhos estão avançando, e acredito que num futuro próximo teremos definições mais exatas (se bem que isso não é muito o que precisamos) sobre o que é a História Pública. De qualquer modo, ela está aí se interessando por narrativas históricas que geralmente outras áreas ignoram. Sobre a Produção X Transmissão do conhecimento, é uma teoria que busco desconsiderar em meus estudos. No meu texto, ao falar de investigar as narrativas "não especializadas" e "extraescolares", estou justamente apontando para as narrativas que não surgem na academia ou na escola. Ou seja, considero a escola um lugar de produção de conhecimento. A História que circula na escola, baseando-se na historiografia, é um conhecimento histórico. E é essa relação professor - aluno que produz tal conhecimento. Sobre a sua última consideração, eu concordo plenamente. Já passou da hora de muitos professores, educadores, autores de livros didáticos, integrantes do sistema escolar geral, etc., pensarem a história como a contadora dos grandes eventos. Muitos trabalhos surgiram nos últimos anos privilegiando o trabalho com fonte dentro de sala de aula, buscando justamente o que você apontou acima: O ensino de "como acessar este conhecimento". Espero muito que a Ciência da História avance com isso nas escolas, e produza resultados satisfatórios. O problema é que isso não depende só dos professores de História, mas de uma renovação de todo o sistema de ensino no Brasil, que já está caduco de velho.

      Mais uma vez: muito obrigado pelas considerações.
      Espero ter sido claro.

      Um abraço.

      Matheus Henrique Marques Sussai

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    3. Caro Matheus, agradeço pela sua resposta e foi sim muito claro.

      Também concordo que não depende só dos professores, motivo de ter colocado ao final de minha pergunta a observação de ignorarmos os programas de ensino e grades curriculares.

      Sobre produção x transmissão de conhecimento também concordo plenamente, tendo em vista que muitas vezes o pesquisador se atenta para uma pequena parcela do que seria "pesquisa de ponta" e ignora perguntas mais básicas que foram respondidas insatisfatoriamente, apenas visando um "bom" progresso da area. O aluno, diferentemente de muitos pesquisadores, não se importa muito se sua pergunta vai soar óbvia, e com isso pode atentar o professor para eventuais lacunas na produção historiográfica.

      Nossas diretrizes burocráticas muitas vezes cegam o professor de História frente ao potencial de sua disciplina, talvez a mais apta a criar uma atitude investigadora no aluno e que, através do seu método, permite inclusive estudar a evolução de todas as outras.

      Atenciosamente,
      Renan Ramos Chaves

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    4. Entedi, Renan.

      Realmente, concordo com você. É complicado, pois penso que nunca poderemos ignorar os currículos (que vão continuar existindo e sendo "atualizados"/ ou regredirem, como já aconteceu). Penso que a "parte burocrática" não dá para ser ignorada. Ao mesmo tempo, sabemos que existe uma grande diferença do currículo escrito, e do currículo prático, não é? O que acontece dentro de sala de aula é bem diferente do que está prescrito nas diretrizes. O professor, por mais que existam as mais diversas censuras possíveis, acaba sim tendo uma certa "liberdade" em sala de aula. Pelo menos em alguns momentos. Nesses, seria crucial que este conseguisse desenvolver as tarefas que comentamos acima. Além dessa aula expositiva, o ensinamento de como chegar a determinado conhecimento. Concordo com você, isso seria magnífico. Mas é uma pena pois não conseguimos pensar sem essas "regras", sem esses veículos de mediação. Os vestibulares e processos seletivos, acredito eu, também possuem muita culpa nisso tudo. Muitas escolas se preocupam mais em preparar o aluno para o teste seletivo, do que em uma formação cidadã completa, política e social, privilegiando a tolerância. Acho que as "diretrizes burocráticas" não cegam só o professor. Esse, caso queira fazer diferente, também está submetido à todo o corpo pedagógico e administrativo do colégio, que como eu disse, provavelmente vai privilegiar a tradicional aula de história de decoreba, pois é isso que está sendo cobrado nos vestibulares. Muita coisa tem que mudar. Se você pegar os últimos currículos de História (fora a Base de 2016, que é totalmente tradicional), você consegue percebê-los até muito progressistas para a época. Muitos já possuíam diversas atividades com fontes históricas. Mas não há espaço nas escolar para isso acontecer. Penso que o problema é bem maior.

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    5. Caro Matheus, plenamente de acordo nos diversos elementos que cobtribuem para uma história 'decoreba' e adicionaria mais um: a própria formação do licenciado, uma vez que é comum a predominância (numérica) de disciplinas operacionalizáveis através desta mesma decoreba e/ou conteúdos desatualizados nas disciplinas mais voltadas à educação propriamente dita.

      Diversos fatores contribuem para a permanência de certos vícios e a concorrência dos historiadores/professores com uma história pública mais cativante (ainda que comumente negligente, imprecisa, simplificada) talvez seja um bom motivador para que algumas coisas sejam revistas.

      Sobre os currículos progressistas mas pouco colocados em prática acredito que todos já tivemos frustrações quanto a isso seja na condição de professor ou de aluno.

      Atenciosamente,
      Renan Ramos Chaves

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  2. Inicialmente, devo parabeniza-lo pelo belo trabalho. A problemática levantada em questão é bastante pertinente. Vivemos uma era onde um excessivo número de informações chegam a todos os espaços, sendo elas de autoria científica ou não, e que por infinitas vezes tem como foco desmoralizar e corromper algo ou alguém, afinal todo discurso é ideologico. Sendo assim, considerado o espaço da sala de aula, onde é aplicado a didática da História, e em meio ao produzido pela História Pública. É claro que ambas tem interesse pelo passado, como você qualifica essa difusão de informação por ambas as esferas do conhecimento? Quem tem melhor atuado?

    Caroline dos Santos Andrade

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  3. Olá, Caroline! Obrigado pelas considerações e pela sua questão. Penso que a História Pública, pelo menos o que tenho lido em suas discussões, etá mais interessada numa difusão das narrativas feitas por historiadores em ambientes não acadêmicos (internet, principalmente). Suas discussões se pautam muito nessa necessidade de o historiador ocupar esses lugares como também lugares de aprendizado histórico (pois isso ocorre com ou sem a mediação do historiador). Ainda assim, é claro, existem pesquisas que buscam investigar quais são essas narrativas não especializadas. Mas vejo que a apologia à necessidade de novos campos de atuação do profissional da história, é uma preocupação maior para a área. Já na Didática da História, acho que a discussão que traz a História Pulica, só acrescenta a esta disciplina. Vejo a Didática da História, aqui no Brasil, ainda muito ligada apenas a pesquisas que levam em conta o ambiente escolar. Isso não é por acaso, sendo que no Brasil, como está no texto, a Didática da História é considerada uma área do Ensino de História. E como sabemos, o Ensino de História, infelizmente, é uma área que ainda sofre muito preconceito pelos "grandiosos" intelectuais da academia que não pesquisam coisas "banais" como o ensino (ênfase para a minha pitada de ironia). Mesmo as pesquisas da escola, é claro, podem ser consideradas da Didática da História. Mas também como a primeira, ainda faltam muitos estudos sobre essas narrativas extraescolares. Prefiro não responder sua última questão sobre "quem tem melhor atuado", pois acho que não existe resposta para isso. São meios diferentes de olhar o mesmo objeto, cada uma com seus empecilhos (intelectuais e burocráticos, como você pode ver). Acho que as duas disciplinas tem muito o que ganhar juntas!

    Espero ter sido claro. Agradeço novamente a sua colaboração aqui.

    Um grande abraço.

    Matheus Henrique Marques Sussai

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  4. Prezado Matheus.
    Gosto da preocupação de seu texto, e agora é minha vez de te perguntar. Gostaria de fazer algumas considerações e tirar dúvidas.
    Vc afirma que a História Pública vem ganhando espaço nos programas de pós-graduação em História. Pessoalmente não vejo muito isso, ou vejo uma discussão que não passa de discussão. Qualquer discussão, a meu ver, deve acionar mudanças depois de bastante reflexão. Não sei se ajuda em sua pesquisa, senão pensar, pelo menos ter em mente, que História Pública é um campo minado: não há consenso em torno dela, porque ela pode vazar mesmo pelos poros, e aí sair do controle. Vc diz que a perspectiva americana de História Pública americana não deu certo. Bem, aqui no Brasil não deu, mas a ideia básica dela, pragmática e utilitária, vingou em vários outros países, carregou e justificou o pensamento sobre como uma História pode ser feita se pensada para outros públicos. Vc acha que a discussão sobre História Pública no Brasil não se vincula a uma questão de mercado de trabalho? Uma coisa é isso não ser dito e assumido, outra coisa é este fator atuar. Para não ficar extenso, tenho minhas restrições com a Didática da História, por um motivo mais bobo, certa idolatria a Rusen .. ao mesmo tempo que críticas feitas a uma teoria que se baseia numa racionalidade, num tipo de aluno, de escola, de realidade educacional alemã-europeia com relação a qual para o Brasil sua transposição integral não caberia, e outra questão mais pontual, ligada ao conceito de "consciência histórica". No que eu já li sobre este conceito como formulado por Rusen e seus seguidores, o conceito só caberia, a meu ver, para pessoas velhas. São pessoas mais vividas e velhas que se conscientizam, um dia, de como o tempo passado deve ser naturalmente aquilo que conduz a um caminho, que estrutura um conjunto de parâmetros para orientam na vida prática. Mas assim mesmo, Matheus, acredito muito pouco que crianças, por não viverem os efeitos do tempo, jamais terão condições de se impregnar desta consciência histórica. O que vc teria a me dizer sobre isso Matheus? Obrigado. BRUNO FLÁVIO LONTRA FAGUNDES

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  5. Olá, Bruno.

    Muito obrigado pelas suas considerações. Suas perguntas também são muito inquietantes, e tentarei aqui discorrer um pouquinho sobre cada uma.

    Sobre o que escrevi de o campo da História Pública vir ganhando espaço nas pós-graduações, não me referi apenas ao Brasil (sendo que aqui também vemos trabalhos começando a surgir). No texto da Jill Liddington (2011), e em outros textos encontrados neste mesmo livro), pode ser encontrado vários programas ao redor do mundo que estão surgindo especificamente com o tema "História Pública". Programas de Pós-Graduação direcionados apenas a este tema. Então penso que sim, é uma área que vem conseguindo seu espaço atualmente. Ao mesmo tempo, sua questão sobre muita reflexão e discussão, e só isso, é muito pertinente. De certa forma, até concordo com você. Mas espero que com o tempo tenhamos mais pesquisas práticas já utilizando alguma metodologia embasada nessa área da História Pública (e concordo novamente, como você disse, não há ainda muito consenso sobre o que ela realmente é).

    Um outro ponto foi a frase: "A perspectiva americana de História pública americana não deu certo". Quando escrevi isso em meu texto, estava direcionando especificamente à Grã-Bretanha, que teve as áreas do Patrimônio e da Memória como pioneiras nessa discussão do que tange a "memória pública". Não era em relação ao Brasil ou ao mundo. Era apenas para mostrar que na Grã-Bretanha, o caminho que levou a essa discussão foi diferente.

    Sobre o seu questionamento ao que eu penso da História Pública no Brasil estar relacionada ao mercado de trabalho: acho que isso tem tudo a ver. No Brasil também temos este problema de desemprego de professores de história formados (historiadores de formação). Algumas dessas pessoas conseguiram migrar para a web e fazer dela seu local de trabalho. Ao mesmo tempo, a questão do "atuar" é muito problemática. Não há espaços para todos, realmente. Nem nas escolas, nem na web. E muito do que deve ser feito em relação à História Pública na web não é remunerado, sendo complicado para qualquer um atuar ali gratuitamente. Por isso eu super apoios grupos já da Universidade que se empenham em produzir conteúdos a públicos não especializados em História. Penso que, no momento, este é o melhor caminho. A produção de conhecimento histórico com sentido para a vida em sociedade (RÜSEN).

    Bom, e vamos falar dele, Rüsen. Acho totalmente válida a sua crítica à teoria, pois penso que qualquer teoria possa ser criticada, analisada, vista por outro ponto, já que o nosso objetivo é sempre melhorar a forma como pensamos a História. Nos últimos eventos em que falei de Didática da História, esta idolatria ao Rüsen já foi mencionada muitas vezes. Sempre assim: "tome cuidado", etc. Por isso acho que sua preocupação é extremamente válida. Ao mesmo tempo, acho Rüsen um teórico consciente de seu "lugar social". Ele meso diz que sua teoria, que todos tenham noção disso, é "alemã-ocidental". Acredito que com o cuidado certo, conceitos podem ser emprestados (não sempre usados de forma íntegra) para outros lugares com mesmas preocupações. A ideia de Rüsen, para consciência histórica, é que esta é inata ao ser humano. E que nós (acho que esse é um ponto em que muita gente se equivoca), temos os diferentes "níveis" de consciência histórica dentro de nós. Podemos ser totalmente racionais ao falar do contexto político atual, ao mesmo tempo torcemos para o time de futebol que foi passado pelo nossos pais. Consciência Crítica e Tradicional em uma mesma pessoa. Rüsen sempre deixou claro que não era para hierarquizar. Todos nós temos elementos tradicionais. Por isso que em relação as crianças, penso que isso tem que ser pensado na forma de processo. Claro que uma criança pode não desenvolver uma consciência histórica crítica em relação ao contexto político atual, mas ela pode desenvolver sobre outros assuntos menos densos.

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  6. Continuando... (Não coube em uma caixa de diálogo)...

    Mas de qualquer forma, penso que não sou o mais preparado para levar esta questão adiante. Uso muito dos pensamentos do Rüsen e do Bergmann, justamente para investigar narrativas não especializadas que estão na web. O que já pensei muito de Rüsen, é que apesar de tudo, ele é muito categorizante. Concordo com esta crítica. Nem sempre as ideias podem ser colocadas em quadro quadradinhos delimitados. Ainda assim, penso que as metodologias desenvolvidas em torno de sua teoria, caso tenham noção disso, podem ser muito importantes na hora da exposição dos resultados de uma pesquisa. Justamente (agora não em forma de crítica) por serem categóricas. Enfim, como eu disse, super concordo que qualquer teoria vale a crítica. Ainda penso que essas duas disciplinas são essenciais para discussão que estou levantando em minha pesquisa, e no momento é o que tenho para trabalhar. Quanto à idolatria do Rüsen, espero que as pessoas tenham cabedal para lê-lo como uma pessoa do seu tempo, inserido em seu contexto histórico, e que pode cometer erros como qualquer outro.

    Agradeço demais as suas considerações, Bruno. Me fizeram ficar inquieto aqui em relação a algumas coisas que você falou. Vou levar isso para a minha pesquisa, muito obrigado mesmo. E claro, caso queira falar mais alguma coisa, estou aqui, sempre aberto a novos pensamentos.

    Desde já, muito obrigado.

    Um grande abraço.

    Matheus Henrique Marques Sussai

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