Esther Salzman Castellano

A CULTURA MATERIAL A FAVOR DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA


Um dos principais movimentos históricos ensinados no curso de História é o da Escola dos Annales, iniciado em meados do século XX por Lucien Febvre e Marc Bloch. O ponto é que a partir desse movimento, passa-se a pensar na história de longa duração e na pluridisciplinaridade. Em sua terceira geração surgem outros dois grandes nomes: Pierre Nora e Jacques Le Goff, fundadores da Nova História, corrente historiográfica iniciada na década de 1970, que passará a defender que toda produção humana é documento passível de um olhar atento do historiador. O compilado de produções de Le Goff, publicado sob o nome de ‘História e Memória’, no fim da década de 1980, traz uma perspectiva totalmente nova para o olhar do historiador e seu modo de trabalho. Os antiquários e coleções passam a serem figuras atuantes uma vez que são detentores do novo tipo de documento que se coloca nessa corrente: o historiador não precisa mais deitar somente sob “documentos oficiais”. Um selo, uma moeda, uma ânfora e uma medalha também têm muito a dizer sobre o homem e sua atividade através do tempo.

No Brasil temos alguns grandes nomes nos estudos da cultura material e da Antiguidade Clássica: Cláudio Umpierre Carlan (Unifal), Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP), Renata Senna Garraffoni (UFPR), entre muitos outros. Funari é detentor de vasta produção, mas o que se destaca em suas obras é a escrita leve que atinge não somente o público acadêmico, mas qualquer um que tenha interesse em se aventurar entre a arqueologia e a antiguidade. Carlan transita entre o passado e o presente, entre a Europa e o Brasil. A sua contribuição está em um olhar atento sobre a numismática e a iconografia. Por fim, Garraffoni, também tem seu foco na antiguidade clássica, possui muitos trabalhos sobre os grupos marginalizados e as arenas romanas. Os três, muitas vezes em conjunto, também trazem o debate sobre o estudo e o ensino da História Antiga no Brasil.

A cultura material
Funari trata em ‘Fontes Históricas’ sobre este tema ao longo de todo um capítulo e como os historiadores lidam com isso. Ele inicia explicando que a História começou como um gênero literário na antiga Grécia. A História acadêmica que conhecemos atualmente é apenas uma herdeira de Heródoto e Tucídides. Funari caminha durante os séculos, onde a História foi voltada para a moral cristã, ou quando passou a ser escrita a partir de documentos escritos e por fim chega ao momento em que a Arqueologia era vista como disciplina auxiliar e não uma ciência por si só. A grande questão é que até então o que não é escrito não “merece” apreciação ou apenas serve para corroborar com algo que está escrito ou simplesmente figurar um texto. A partir do século XIX, quando há uma preocupação com a perpetuação dos documentos escritos também “fez surgir grandes iniciativas arqueológicas de coleta e publicação de artefatos, edifícios e outros aspectos da cultura material, que deve ser entendida como tudo que efeito ou utilizado pelo homem”. (FUNARI: 2008, p. 85)
É nesse tempo que museus e arquivos tornam-se importantes, é a casa de produções científicas, de pesquisa e de manutenção da história. Peças e documentos deixam de serem artefatos colecionáveis e/ou privados para estar aos olhos de qualquer um.

Numismática
A moeda, quando cunhada, presta por si só várias facetas – sem o trocadilho – de uma história: econômica (elas podem ser de ouro, prata, bronze ou até mesmo outros materiais, o que significa poder aquisitivo, ou a falta dele, determinando condições sociais), artística (pode ser uma reprodução do perfil de uma figura pública ou até mesmo projetos de obras arquitetônicas), política (o que acontece no momento de sua cunhagem? O que o solicitante quer informar aos receptores? Qual a propaganda?), cultural (há algo a se comemorar naquele momento? Há algo a se ensinar a população? Que forma melhor de ensinar que não através da iconografia para uma população que pode ser leiga?). “Um veículo propagandístico, com mensagens, arte, religião (magias e superstições), ideologia e política, ideia defendida por Eckhel, no século XVIII, considerado por muitos como fundador da numismática como ciência” (CARLAN: 2014, p. 16). Claro que isso não depende somente da moeda, e é onde voltamos a pluridisciplinaridade: a Arqueologia é a ciência responsável por dar luz a mais informações que a moeda por si só poderia dar. Existe uma metodologia para a escavação e a retirada de qualquer material dos sítios, o que significa que serão catalogados, datados, localizados e até mesmo testados quimicamente. O que isso significa? Significa que é possível traçar uma rota de onde saiu e para onde foi esse item, se era uma rota ou ambiente de comércio, se condiz a algum relato. Quando se pensa em antiguidade, a cultura material é o maior suporte que um pesquisador poderia desejar, não sobraram muitos documentos escritos e/ou “oficiais” para direcionar um estudo, ou até mesmo sempre sobram muitas lacunas para serem preenchidas. Por esse motivo é uma história que pode ser reescrita continuamente a cada nova informação que se recebe. Em melhores palavras:

“A numismática, ou ciência que estuda as moedas e medalhas, durante muitos anos, foi analisada pelos historiadores sob o prisma de mercadoria, objeto de troca. Procurou-se ligá-la com a História Social, ou seja, com os reflexos que a mutação monetária produzia na sociedade ao nível de salários, custo de vida e os consequentes comportamentos coletivos perante estes.

O estudioso da moeda se tem preocupado mais com o corpo econômico e social que ela servia do que com o metal que a produzia e a informava. Estruturalmente este ultrapassava os limites geográficos do poder que a emitia e definia ideologicamente não só um povo, mas também a civilização a que este pertencia”. (CARLAN: 2014, p. 14)

O uso prático da cultura material: Nathan Elkins
Nathan Elkins é professor de História da Arte Grega e Romana na Universidade de Baylor, no estado do Texas, fellow da Sociedade Numismática Americana (Nova York) e fellow da Royal Numismatic Society (Londres), pesquisador e especialista em arte romana e arqueologia, cunhagem e iconografia de moedas, topografia e arquitetura, esporte e espetáculo e comércio ilícito de antiguidades. Elkins produziu alguns textos onde se pode exemplificar o uso da cultura material a favor da escrita da história antiga.

Em ‘Monuments in miniature: architecture on Roman coinage’, explica que o reavivamento do interesse pela arte antiga e na cunhagem se dá na Itália Renascentista e, sendo assim, temos os nomes dos primeiros interessados nos estudos numismáticos: Joseph Eckhel (já citado anteriormente), primeiro a tentar organizar as moedas de forma sistemática e Petrarca foi o primeiro numismata a colocar as moedas em ordem cronológica. Prosseguindo, ele também aponta que nós, historiadores e os colegas arqueólogos, tendemos a utilizar essas representações em moedas como confirmação para a existência de um edifício ou como meio de reconstrução arquitetônica, porém há de se frisar que muitas moedas eram feitas para celebrar um decreto de intenção de construção e não necessariamente um edifício construído de fato. Também é necessário lembrar que alguns elementos são retirados da cunhagem para se fazer uma arte clara, ou seja, o questionamento é sempre bem vindo: qual o contexto cultural, histórico e político dessas representações? O hábito das representações arquitetônicas surge no fim do segundo século a.e.C (antes da era comum) e desaparece no quinto século. O contexto cultural e histórico dos últimos séculos a.e.C. pode explicar o porquê a iconografia dos edifícios tornou-se um componente comum do repertório visual romano neste período: Roma tornou-se imensamente rica com a aquisição de territórios estrangeiros e a herança de antigos reinos helenísticos. Seus enviados diplomáticos viram capitais helenistas vestidas com templos de mármore e pedra enquanto Roma era arcaica de madeira. Roma precisava estabelecer sua aparência como poder dominante do Mediterrâneo. O surgimento de novas tecnologias como a abóbada na arquitetura tornou Roma um ambiente construído para uma iconografia apropriada para a cunhagem e para a pintura. As moedas então serão usadas como forma também educativa, demonstrando os valores imperiais, principalmente em moedas como os sestércios, que são moedas de base e maior circulação, ou seja, sugerindo que o regime em vigor desejasse comunicar as ideias da beneficência do imperador na provisão de edifícios populares aos romanos comuns. Se as moedas são um meio de comunicação, presume-se então que elas acompanharão as mudanças sociais e culturais através do tempo.

O segundo texto, ‘Numismatics, Roman Imperial’ começa abordando onde a numismática se encaixa: pode ser vista tanto como um subcampo da História Antiga, da Arqueologia ou como uma disciplina especializada por direito próprio. A numismática se encaixa como uma interdisciplinaridade: para historiadores o apreciamento das moedas como material de origem para a história econômica ou narrativa em conjunto com evidencias textuais; para os arqueólogos há mais interesse nas moedas como indicadores cronológicos para seus sítios, embora também digam muito sobre o movimento populacional, condições econômicas localizadas e a própria circulação das moedas; os historiadores da arte atentam a iconografia das moedas romanas, considerando o significado semântico dos desenhos e comparam a moeda com obras de arte ou temas iconográficos em outros meios de comunicação. Segundo Carlan: existem formas de identificar a origem do material de certas moedas a partir do estudo de suas moléculas, pois os materiais utilizados em sua fabricação são diferentes em cada parte do mundo, podendo então haver a precisão dessa informação. Existiam moedas feitas para circular em Roma e havia moedas provinciais (mais uma vez demonstrando as extensões de Roma). As moedas estão entre os objetos materiais mais comuns para ter sobrevivido ao tempo, seu tamanho pequeno e a portabilidade tornam-nas objetos colecionáveis e desejáveis entre aristocratas e antiquários que desenvolveram o gosto pela arte antiga. Em minicurso do evento CIEAM – NEAM 2017, Carlan explicou que as moedas fabricadas a base de ouro são as que menos sofrem com os efeitos do tempo, uma vez que passavam menos tempo em contato com as substâncias que causam sua corrosão e eliminando seu alto-relevo.

O terceiro material ‘Locating the Imperial Box in the Flavian Amphitheatre: the numismatic evidence’ é um dos grandes esforços de Elkins justamente com o uso interdisciplinar. O Coliseu, em suas palavras, mas para surpresa de absolutamente nenhum de nós, é uma das construções mais conhecidas do império romano, o que certamente atraiu um imenso número de estudiosos, mas nem sempre os questionamentos trazem respostas. Segundo o próprio, por décadas os estudiosos assumiram mais ou menos que a imperial box (entende-se como camarote imperial, de onde os imperadores romanos acompanhavam os eventos da arena) do Coliseu estaria localizada no lado sul, porém uma conclusão que nunca fora fundamentada ou problematizada. Evidências numismáticas mostram o imperador sentado no lado norte do anfiteatro Flávio, que nunca foi reconhecido antes e, fazendo algumas observações sobre as fontes literárias, procurou demonstrar que o lado norte do eixo curto era a localização da imperial box. Existem quatro entradas especiais para o Coliseu. As entradas Leste-Oeste eram portais utilizados para a pompa, a procissão de gladiadores e outros participantes dos espetáculos uma vez que levam diretamente para a arena. As outras entradas que teriam servido para qualquer função especial seriam as do eixo norte-sul, que levavam diretamente para as plataformas na ima cavea, onde havia camarotes reservados de que não restavam vestígios. A imperial box deve ter sido localizada na plataforma norte-sul devido a localização central ou com uma área de visualização privilegiada e porque as entradas do eixo norte-sul conduzem diretamente a essas plataformas, permitindo que o imperador e a comitiva entrassem e saíssem rapidamente. Presume-se que outro camarote acomodaria magistrados ou oficiais. Somente a entrada norte sobrevive e mostra sinais de monumentalização. Não era numerada como outras entradas, tinha um pequeno pórtico que sobrava. A entrada do lado oposto também não havia sido numerada e presumivelmente teria as mesmas características que a entrada norte. Elkins tira todo um tópico para questionar a imperial box ao sul, mas o que atenta é o argumento para propor que seria ao norte: ao se examinar as moedas relevantes, é bem claro que retratam o Coliseu visto do sul e mostram o interior do lado norte, onde o imperador pode ser visto em seu camarote. Duas moedas flavianas, o sestércio de Tito e o sestércio de Vespasiano são as moedas que ele utiliza para construir seu ponto.

Esses estudos de Elkins demonstram a infinidade de informações que podem ser retiradas da numismática. Se as moedas podem fornecer informações de temporalidade, movimento populacional, arte, história, política, economia e função educativa, elas certamente podem dar informações direcionadas para estudos específicos.

Conclusão
É muito de se pensar o que leva a nós, brasileiros, tão distantes da Europa, a escolher a Antiguidade Clássica como foco de pesquisa. Isto é posto em uma reflexão feita pela Garraffoni junto ao Funari em ‘Considerações sobre o estudo da Antiguidade Clássica no Brasil’. É um aviso atento de que nossa língua, nossa política e até mesmo nossa cultura também tem herança dos povos antigos europeus. Também existe um lembrete de que atualmente não somos privados da informação, existem diversos acervos online que oferecem toda a estrutura que um pesquisador necessita sem necessariamente sair de sua casa. Ele pode encontrar descrição de fontes, localização exata, descrições de sítios arqueológicos, poupando horas de consultas em ambientes físicos. E não somente isso, o Brasil possui diversos núcleos de estudos e parcerias com instituições estrangeiras, além de um acervo próprio de cultura material clássica em diversas faculdades e museus do país. Apesar de ainda encontrarmos muitos problemas com financiamentos as pesquisas, já não dependemos de uma verba exclusiva para sair do país e consultar um material específico como seria 40 anos atrás.

Garraffoni e Funari se utilizam de Pompeia, cidade romana soterrada pela erupção do Vesúvio em 79 e.C., para refletir sobre os tipos de fonte que o local oferece. Por ter ficado tanto tempo soterrada, como dizem os estudiosos, é uma cidade que ficou “congelada no tempo”, dando oportunidades únicas de desenvolver um estudo totalmente original a partir de grafites. A inglesa Mary Beard, professora de estudos clássicos da Universidade de Cambridge, é conhecida por suas aparições televisivas e aqui cabe citar a produção da rede BBC ‘Life and Death in a Roman Town’, onde ela visita a cidade, mostra diversas pinturas, artefatos e ambientes de uso coletivo, nos demonstrando como seria o dia-a-dia dessa população.

“A distribuição dos grafites pela cidade expressa a relação dos romanos com os espaços públicos e privados, além de apontar alguns temas de seu cotidiano, possibilitando novas leituras sobre a história urbana da cidade. Neste sentido, as paredes de Pompeia e seus grafites ajudam a pensar a espacialidade e, também, as maneiras menos convencionais de lidarmos com a escrita, gerando interpretações mais dinâmicas do mundo romano e, portanto, uma boa ferramenta de reflexão para pensarmos a diversidade nas escolas brasileiras. Assim, lembrando das afirmações de Ucko (1995), defendemos que a análise da cultura material permite a captura de aspectos particulares do passado e a construção de modelos teóricos menos excludentes. Nesta perspectiva, pensar a cultura material significa abrir outras possibilidades de produção de conhecimento e de reflexão social em âmbitos acadêmicos ou escolares”. (FUNARI; GARRAFFONI: 2010, p. 5)

Creio que o questionamento de “por que estudar algo tão distante (fisicamente) de nós” torna-se “como estudar”. Já são quase 50 anos desde que Le Goff e Nora introduziram a Nova História. O que meio século já permitiu ser alterado nas metodologias e quantas possibilidades surgiram para imaginar esse cotidiano e o que ele refletiu nos dias atuais? É o que Mary Beard faz de forma tão sedutora: ela nos envolve com as cidades romanas e mexe com a imaginação do telespectador o inserindo em um cotidiano que não o seu.

Referências
Esther Salzman Castellano é mestranda pela UNESP – Campus de Assis, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi.

CARLAN, Cláudio Umpierre. Linguagem e Imagem: numismática como documento. Revista E. F. e H. da Antiguidade, n. 28, 2014. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/cpa/article/view/1768> Último acesso em: 09 de março de 2018.

ELKINS, Nathan. Locating the Imperial Box in the Flavian Amphitheatre: the numismatic evidence <https://www.academia.edu/354683/_Locating_the_Imperial_Box_in_the_Flavian_Amphitheatre_The_Numismatic_Evidence_Numismatic_Chronicle_164_2004_147-157> Último acesso em: 09 de março de 2018.

____________. Monuments in miniature: architecture on Roman coinage in <https://www.academia.edu/16367657/_Monuments_in_Miniature_Architecture_on_Roman_Coinage_ANS_Magazine_13.3_Fall_2015_7-15> Último acesso em: 09 de março de 2018.

____________. Numismatics, Roman Imperial in <https://www.academia.edu/6076373/_Numismatics_Roman_Imperial_in_C._Smith_ed._Encyclopedia_of_Global_Archaeology_Berlin_2014_5522-5529> Último acesso em: 09 de março de 2018.

FUNARI, Pedro Paulo. Fontes Arqueológicas: os historiadores e a cultura material. In PINSKY, C. B., (org.) Fontes Históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2008.

FUNARI, P. P.; GARRAFONI, R. S. Considerações sobre o estudo da Antiguidade Clássica no Brasil. Acta Scientiarum. Education, v. 32, n. 1, 2010. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/view/9474> Último acesso em: 09 de março de 2018.

LE GOFF, Jacques.  História e memória. Tradução de Bernardo Leitão. 5ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.

19 comentários:

  1. Esther, você lançou um questionamento importante sobre o porquê de estudar o mundo antigo e sua produção material na historiografia. Esses estudos ganharam novas perspectivas a partir da Escola dos Annales, como bem lembrado no seu texto.
    Bastante me interesso também pelo mundo antigo, porém nunca consegui delinear uma resposta categórica e importante sobre a indagação do porquê, nós, historiadores brasileiros, tão distantes geográfica e temporalmente da antiguidade devemos estudá-la.
    Em sua concepção, qual a importância dos estudos sobre o mundo antigo para a historiografia contemporânea aqui na América?

    Att.,
    Fábio Alexandre da Silva

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    1. Olá, Fábio, obrigada pela pergunta.
      Primeiramente, eu acho que é muito difícil buscar uma resposta universal e única (para quase tudo na História, inclusive) para os estudos brasileiros sobre a antiguidade que não a identificação, o gosto e o prazer. A Antiguidade é algo que mexe com a curiosidade do ser humano, creio que pela distância temporal dos acontecimentos.
      De qualquer maneira, desde os ensinos aplicados na escola, nós somos alertados, mesmo que brevemente, que herdamos da antiguidade fundamentos que chegaram por aqui, como as leis, como a língua. O que penso é que não se deve também limitar a "qual a importância dos estudos sobre o mundo antigo para a historiografia contemporânea aqui na América". Esses estudos desenvolvidos não são importantes só para "nós". Todo conhecimento científico serve para todos. Da mesma maneira que temos estrangeiros olhando para a nossa história, certo?
      Penso que apesar de termos um cenário muito diferente para a produção científica comparado a outros países, nós também demonstramos a capacidade de desenvolver belíssimos estudos. Vide o projeto do LARP/MAE que reproduz a Roma do terceiro século de forma 3D (http://www.usp.br/agen/?p=152368). Isso traz reconhecimento e prestígio a capacidade dos estudiosos brasileiro e creio que isso também se enquadra como importância.
      Não sei se me fiz clara na resposta, caso não, continuamos a conversa.

      Att.,
      Esther Salzman Castellano

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  2. Esther, gostei muito do seu texto e achei muito interessante a questão da Numismática e o quanto de informações podemos obter dela, ciente disto, como poderíamos usar este material em sala de aula? De que maneira você trabalharia a Numismática com os alunos ?

    att.,
    Nathália Machado Freire de Arruda

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    1. Primeiramente, muito obrigada, Nathalia!
      Eu me baseio muito nos ensinamentos do professor Carlan para pensar no uso didático da numismática. Ele apresentou um projeto realizado em uma escola onde os alunos passam pela experiência prática em um sítio arqueológico artificial. Também já vi colegas fazendo um trabalho similar com seus alunos. Nós temos vários acervos numismáticos no país, então existe a possibilidade da saída da sala de aula para um ambiente montado para apreciação e ensinamentos. Trabalhar com moedas de forma direta dentro de uma sala de aula acaba limitando (não totalmente, mas caminhando pelo provável uma vez que não é todo mundo que mantém coleções, mesmo que sejam de moedas mais atuais como as comemorativas das Olimpíadas ou do aniversário do Banco Central) ao apoio digital. E os acervos digitais são riquíssimos. Você encontra moedas classificadas, com transcrição, com sítio arqueológico, material de composição. É realmente incrível! Dito isso, cabe delimitar o período e ver se é passível de uso na temática proposta.
      No site do Banco Central do Brasil existe essa relação de moedas (https://www.bcb.gov.br/htms/mecir/mcomemor/mc_comemorativa3.asp). Você tem moedas de eventos esportivos, patrimônios, figuras públicas importantes na história do país, comemorativas. A imagem é um ótimo recurso de assimilação e a moeda não é de uso convencional dentro de uma sala de aula, então creio que instigar pelo novo também é uma possibilidade.
      Espero ter respondido sua pergunta.
      Att.
      Esther Salzman Castellano

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  3. Olá, Esther!

    Parabéns pelo texto, gostei muito de seu trabalho.

    Também pesquiso na área de História Antiga, porém, meu enfoque são as representações femininas nas pinturas parietais de Pompéia. A numismática ainda é um campo que pouco conheço, devido a isso, gostaria de saber se, em seus estudos, chegou a entrar em contato com algum trabalho que falasse das mulheres nestas fontes? Se sim, quais são eles? Lembro de já ter lido algo sobre moedas com imagens de divindades femininas, mas como a Arqueologia pode nos revelar cada vez mais saberes, gostaria de ver se há algo além disso. Caso conheça, poderia me indicar, por gentileza, fiquei muito interessada.

    Gabriela Isbaes

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    1. Olá, Gabriela!

      Fico feliz que tenha gostado do trabalho!

      Nossos recortes se cruzam, mas muito brevemente, minha pesquisa de mestrado está situada na política do pão e circo na dinastia flaviana, então lido mais com evergetismo e uma situação generalizada da população romana. Ainda não passei por nada que fale especificamente das mulheres, porém posso deixar os links dos sites que uso para consultar os acervos numismáticos para você dar uma olhada.
      http://numismatics.org/
      https://www.cgb.fr/boutique,romaines.html
      http://ikmk.smb.museum/home?lang=en

      O que mais gosto neles são as possibilidades de refinar a sua busca. Como você tem mais autoridade na pesquisa que faz, com certeza pode testar períodos e palavras-chave que te ajudem na pesquisa.

      Também deixo meu e-mail para contato direto, se você passar uma mensagem, se souber de algo em algum evento ou de pesquisar de colegas, passo as informações para você!
      stheh.castellano@gmail.com

      Esther Salzman Castellano

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  4. Olá, Esther.
    Seu texto traz muitos apontamentos interessantes, os de Funari e Garraffoni e, a questão da numismática me chamou muito atenção, por gostar muito da originalidade oriunda do conhecimento arqueológico e o uso de material concretos, permitindo um contato com um passado muito mais complexo e variado.
    Porém, em seu ponto de vista, estudar a cultura material de povos diferentes do nosso, ainda hoje, sofre diversas dificuldades no seu ensino no Brasil? Ou o que nos chega como profissionais de história é muito pouco,mesmo depois de décadas ?

    Att,
    Ana Vitória da Silva Maciel.

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    1. Olá, Ana Vitória, obrigada pela leitura e questionamentos!
      Eu não sei se entendi corretamente a primeira parte do seu questionamento, mas vamos lá. Eu acho - e é achismo mesmo - que nós eventualmente encontramos problemas em estudar a cultura material em nosso próprio território. O que eu sinto é que quando se pensa em Arqueologia, o que as pessoas pensam primeiramente é no Egito, Grécia e Roma. Agora, numa questão de vivência, colegas meus já ouviram de um professor que índio não tem história porque é um povo que não tem a prática da escrita. É um pouco lamentável, mas certamente ele não é o único a reduzir a história de uma população a fontes escritas. Essa é a primeira barreira que ainda tem que ser ultrapassada. Sinto que já estamos muito avançados sobre o que é fonte ou não, mas me parece menos dificultoso trabalhar com grandes monumentos e resquícios derivados de outros povos do que do nosso próprio. Mas isso é um sentimento pessoal e posso estar redondamente enganada.
      Agora, sobre o que nos chega como profissionais, você diz no ensino de História dentro da universidade, na nossa formação? Eu acho pouco, mas acho pouco em quase toda a grade que um curso de História oferece. É por isso que se fazem necessários grupos específicos e estudo, onde é possível desenvolver mais opções de destrinchar mais do que se vê em sala de aula, além da oportunidade de receber professores palestrantes. A diferença de hoje para décadas atrás certamente é a tecnologia e o acesso à informação. Nós ainda encontramos um problema muito grande em História que é a barreira linguística. Não existem tantas traduções como se existe em francês/espanhol/inglês, então nós historiadores, além da pesquisa científica em si, precisa lidar com idioma.
      Espero ter conseguido responder seu questionamento, caso contrário, continuamos a conversa.

      Att.,

      Esther Salzman Castellano

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  5. Boa tarde, Esther, seu texto foi muito interessante, o argumento apresentado sobre a importância dos estudos da Antiguidade foram muito bem colocados. Pode haver nos dias de hoje um grande questionamento sobre o real significado na escolha de estudar culturas tão longínquas tanto geograficamente quanto historicamente, em um país como o Brasil, que apresenta um contexto bem diferente, entretanto como bem colocado no seu texto, essas culturas tiveram uma grande influência em nosso processo civilizador. Mediante esse ponto de vista, você acha que o estudo sobre Antiguidade no Brasil atualmente está tendo a devida importância que merece, tanto na academia ou na sociedade como um todo?

    Afrânio Junior de Melo Barros

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    1. Boa tarde, Afrânio!

      Infelizmente, nós sabemos que as Ciências Humanas não vem sendo muito valorizadas no período que vivemos, então a importância depende dos olhos de quem vê. Eu não me sinto contemplada, assim como tantos outros colegas. Hoje não se oferecem tantas bolsas de pesquisa para a História como se oferece em outras áreas de pesquisa. Porém quando se vai a eventos que possuem STs ou até meso um evento inteiro sobre Antiguidade, é possível perceber a quantidade de belíssimos projetos que se desenvolvem e até mesmo TCCs com potenciais para um Mestrado incrível. Então volto a dizer: a importância depende do espectador e de onde ele está assistindo.
      Na sociedade como um todo, o que eu encaro e me questiono há muito tempo: a escrita acadêmica. Eu acho muito penoso dissertações e teses serem escritas de forma técnica. Essa bolha que envolve a acadêmia abrem a oportunidade para Narlochs e History Channel pisarem no trabalho que as vezes é trabalho de uma vida de um pesquisador. O que eu sinto é que nós mesmos acabando abrindo o caminho para o desinteresse por não falarmos a mesma língua da sociedade num geral. Assim como é um problema, em pleno 2018 estamos assistindo constantemente os alertas sobre fake news, isso aponta que não está sendo ensinado - e não hoje, isso é problema de décadas - a se desconfiar. Se precisamos ser ensinados a desconfiar de notícias de Facebook, quem está ensinando que não se pode acreditar em qualquer livro ou artigo que se lê por aí? Tecnologia e velocidade de informação também são um problema nas mãos de quem não foi condicionado ao desconfiômetro desde cedo.

      Att.,

      Esther Salzman Castellano

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  6. Texto muito coeso, realmente o estudo da antiguidade clássica é fundamental para uma sociedade que segue uma matriz europeia como a nossa Grécia e Roma são a base da civilização ocidental a qual fazemos parte

    Leitura gratificante.

    Marcos Vinicius de Andrade Gomes

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    1. Muito obrigada Marcos Vinicus, fico feliz de poder ter dado uma leitura agradável à você. Congressos sempre me deixam tensa, inclusive essa primeira experiência virtual.

      Esther Salzman Castellano

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  7. Levando em consideração os vários ramos da ciência, como: arquiologia,antropologia e paleontologia, quais delas contribuem mais para o estudo da história? Ou todas contribuem de forma significativa para a historiografia? Adilson Apolônio Marques da Costa

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    1. Olá Adilson!

      Deu até uma tremedeira aqui você apontar a paleontologia. No entanto, acho que você mesmo respondeu a sua pergunta: todas contribuem de forma significativa e nenhuma delas andam só. Se defende muito na História a interdisciplinaridade. Se você começa a ampliar o leque, surge a Química, Física, Arquitetura, Biologia e assim segue. A partir do momento que se define que não, documento escrito não é a verdade universal, o leque de possibilidades se abre para o infinito. A História Ambiental não vai ser escrita sem a Biologia e a Greografia, por exemplo. Sem a Química e os exames laboratoriais não se realizam as analises de fossas, interiores de ânforas para saber o que fazia parte da alimentação cotidiana de outros povos, por exemplo.

      Att.,
      Esther Salzman Castellano

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  8. Olá, Esther!
    Devo dizer que lendo um texto como um historiador, achei magnifico. O estudo da Numismática é realmente algo esplendido. Mostrar que alem da história econômica, a moeda pode mostrar muito mais da sociedade em questão. Mas como educador, ainda tenho minhas duvidas sobre o assunto.
    Nós viemos de uma época em que o conhecimento era passado de uma forma diferente, e se quer era imaginado o uso de algo, como uma fonte material na sala de aula. É claro, que com o inicio dessa "nova licenciatura", mais construtiva e com foco em ensinar o aluno da melhor forma possível, o estudo de moedas é plenamente plausível. Mas ainda sim, no seu ponto de vista, como devemos fazer, para que um aluno do ensino fundamental II ou médio, consiga perceber esses detalhes que uma moeda consegue contar?
    Att.
    Erick Mariano Alves da Silva

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    1. Erick, tudo bom?

      Eu dei uma resposta para uma pergunta parecida para a Nathalia Freire, é a segunda pergunta que tem aqui na página e acho que pode ser aplicada ao seu questionamento. Nós sabemos que imagem e som são formas de assimilação. Cada moeda contém uma história a ser lida e ela depende exclusivamente de quem a encomendou. Os flavianos encomendaram a cunhagem de moedas com o Coliseu. Por que? Porque é o maior monumento erguido para o povo em Roma e que permanece lá 2000 anos depois. De onde veio o dinheiro para levantar o Coliseu? Provavelmente do espólio da guerra judaico-romana. O que tem de tão especial no Coliseu? Um Arquitetura que permite ser arena para jogos ou então palco para encenações, assim como ser enchido de água para encenações navais. Ensino ao povo tanto dos valores romanos como de sua história. Não foi só palco de entretenimento. Quanto vale essa moeda? Praticamente nada, sestércio era das moedas de menor valor, então era a que mais circulava entre a população. Consegue entender onde quero chegar? Era só uma moeda com um relevo do Coliseu. Já sabemos quem o fez, como bancou, para quem foi feito, a finalidade, e por quem essa moeda transitou.

      Att.,

      Esther Salzman Castellano

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  9. Querida Esther Castellano, quero primeiramente parabenizá-la pelo excelente trabalho, saiba que despertou-me algumas inquietações. Gostaria de saber como você vê atualmente a relação entre a cultura material, o patrimônio cultural e a memória coletiva; e de que maneira isso pode ser levado para a sala de aula através de uma abordagem simples e que contribua com o aprendizado do aluno?

    Grata desde já, Aline de Freitas Lemos Paranhos.

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    1. Olá, Aline, muito obrigada pela apreciação!
      Achei engraçada sua pergunta, pois patrimônio e memória teriam sido meu caminho se História Antiga não fosse um caso de amor que vem desde a infância. Faz um certo tempo desde que tive contato com "Comunidades Imaginadas", do Benedict Anderson. Eu sei que o recorte dele é diferente e que vai escrever sobre como surgiu a identificação de um grupo como nação, assim como as construções de museus e seus objetivos, mas acho que é totalmente aplicável a atualidade e ao questionamento. Mas dos três apontamentos, penso que tudo que envolve patrimônio cultural, exige uma saída da sala de aula e uma visita ao museu (o que consequentemente pode ligar a cultura material, mas quase que obrigatoriamente se relacionará à memória coletiva uma vez que uma das funções do museu é causar o sentimento de identificação com o passado e torná-lo parte de sua própria história).
      Por exemplo, durante a graduação tive oportunidade de fazer um intercâmbio em Coimbra onde escolhi as cadeiras que eram relacionadas a arqueologia e a cultura romana. Todo dia para chegar a faculdade meu ônibus passava por baixo de um aqueduto romano. Ali, no meio da cidade. Assim como em Évora existe o Templo de Diana. Como a história de Roma faz parte da minha vida acadêmica, tomei aquele passado pra mim, pensava muito sobre quantas pessoas não tinham passado por ali e o quanto aquelas pedras "viram" da história que correu. Quando o Brasil comemorou os 500 anos da """descoberta""", o pavilhão da Bienal de SP recebeu um exposição sobre, e o item de ouro era a carta de Pero Vaz de Caminha, nosso atestado de nascimento. Era paticamente a Monalisa portuguesa. Remo e Rômulo foram criados pela loba e assim nasceu o mito fundador de Roma. Nós não usamos as crenças indígenas quando pensamos de onde surgiu nosso país. Mas pensando com meus botões, o acesso a cultura no Brasil não é para todos. Posso estar (e espero estar) errada, mas me soa assim.
      Eu acho que a abordagem para ser simples e com qualidade de aprendizado realmente precisa ser fora da sala de aula.

      Att.,

      Esther Salzman Castellano

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  10. Boa noite, Esther

    Parabéns pela comunicação. Você explorou a importância da cultura material para a construção do conhecimento histórico e mostrou que os estudos clássicos exige interdisciplinaridade, aliás, como qualquer outro campo da História. Em sua opinião, quais seriam os principais cuidados do historiador diante da cultura material? Os cuidados a que me refiro dizem respeito à produção da pesquisa histórica.

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