Rebecca Carolline Moraes da Silva

AFINAL, O QUE SÃO CONCEITOS SUBSTANTIVOS E CONCEITOS DE SEGUNDA ORDEM? PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO HISTÓRICA


A partir da década de 1970, começou a se desenvolver em vários países (como Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e Canadá) uma linha de pesquisa denominada Educação Histórica, que buscava estudar a aprendizagem da história. No Brasil, este campo se consolidou no início dos anos 2000.

Conforme Barca (2001), esta linha de pesquisa tem como pressuposto teórico a natureza do conhecimento histórico e como pressuposto metodológico a análise das ideias que os indivíduos pesquisados apresentam “em e acerca da História” (BARCA, 2001, p. 13), sem dispor de um critério generalista de categorização dos níveis de pensamento. Barca (2001) afirma que a História é diferente das outras ciências, pois é construída subjetivamente. As explicações históricas são formuladas mediante critérios científicos – parte-se de uma hipótese e busca-se evidências para corroborá-la ou refutá-la. Neste sentido, Barca (2001) ressalta que o conhecimento histórico também é provisório, pois dura até o momento em que uma contra evidência o torne falso. Além da provisoriedade, a autora lembra que a História sempre parte de um ponto de vista.

Marlene Cainelli e Maria Auxiliadora Schmidt (2011) pontuam que a Educação Histórica é, desta maneira, uma área de pesquisa que está focada principalmente nas problemáticas que envolvem a cognição e a metacognição histórica, visando a desenvolver um ensino de história que tenha mais sentido para os estudantes. Por isso, fala-se em uma aprendizagem situada na História e da necessidade de entendê-la a partir da investigação dos conhecimentos dos sujeitos do saber. Conforme Barca (2005), os pesquisadores

“[...] têm centrado a sua atenção nos princípios, tipologias e estratégias de aprendizagem histórica, sob o pressuposto de que a intervenção na qualidade das aprendizagens exige um conhecimento sistemático das ideias históricas dos alunos [...]” (BARCA, 2005, p. 15).

Márcia Ramos (2013) afirma que, enquanto o problema clássico das pesquisas em ensino de história era a motivação dos alunos em aprender ou como usar os recursos didáticos, a Educação Histórica busca compreender como os alunos compreendem a história e para que serve aprender história. Se pautando nisso, a autora abre o leque de perguntas que são indissociáveis desta problemática:

“como os alunos aprendem história, preciso partir dos saberes que este já tem sobre história; preciso saber também dos saberes que os professores de história apresentam (saberes históricos, pedagógicos e experienciais) e é necessário saber qual o significado que os alunos e professores de história dão para o conhecimento histórico (O que é? Para que serve? É importante ou não?)” (RAMOS, 2013, p. 4)

Assim, tendo em vista que a Educação Histórica procura melhorar a qualidade do ensino-aprendizagem da disciplina de História, entre outros objetivos, Ramos (2013) acrescenta que é necessário compreender o que seria um ensino-aprendizagem de história “de qualidade”, o que conclui ser, na perspectiva da Educação Histórica, a construção de uma literacia histórica que dê aos indivíduos ferramentas para observar e analisar o mundo historicamente e levar as conclusões para sua vida prática (RAMOS, 2013, p. 5). Desta maneira, como caracteriza Maria Auxiliadora Schmidt (2015), uma das preocupações dos pesquisadores desta área é a “relação entre aprendizagem e ensino de história”, principalmente no que concerne “as metodologias de ensino em sala de aula e suas relações com a consciência histórica” (SCHMIDT, 2015, p. 44).

Em relação à consciência histórica, Rüsen (2011) assinala que a aprendizagem histórica é “a consciência humana relativa ao tempo, experimentando o tempo para ser significativa, adquirindo e desenvolvendo a competência para atribuir significado ao tempo” (RÜSEN, 2011, p. 79). Com isso, entende-se que a aprendizagem histórica é relativa ao desenvolvimento da consciência histórica; esta, por sua vez, pode ser sintetizada, grosso modo, como a compreensão do presente a partir do estudo do passado para, assim, projetar as ações futuras.

Tendo o escopo do campo da Educação Histórica em mente, Germinari (2011) afirma que as pesquisas atualmente têm se centrado num conjunto que pode ser resumido em três núcleos: a) análises sobre ideias de segunda ordem; b) análises relativas às ideias substantivas; c) reflexões sobre o uso do saber histórico (GERMINARI, 2011, p. 56). No mesmo sentido, Barca (2011) afirma que as investigações nesta área costumam transitar entre as preocupações com a progressão do pensamento histórico, envolvendo conceitos inerentes à própria História (conceitos de segunda ordem), e a necessidade da promoção de um apontamento coerente do passado (conceitos substantivos), viabilizando uma orientação temporal por parte dos alunos – o que condiz com o desenvolvimento da consciência histórica.

Mas afinal, o que são esses conceitos substantivos e conceitos de segunda ordem?
Conforme a autora, os conceitos de segunda ordem também podem ser designados como conceitos estruturais ou meta-históricos, pois figuram noções ligadas à natureza do conhecimento histórico. Tais noções podem ser enumeradas nos conceitos de empatia histórica, explicação, evidência, mudança, permanência, objetividade, significância, entre outros. Já os conceitos substantivos se relacionam com as noções ligadas aos conteúdos históricos, como feudalismo, monarquia, revolução industrial, etc. (BARCA, 2011, p. 25). Resumindo esta ideia, Cainelli (2012) aponta que

“por conceitos substantivos entende-se os conteúdos da História, por exemplo o conceito de industrialização, renascimento, revolução. Enquanto conceitos de segunda ordem: são conceitos que estão envolvidos em qualquer que seja o conteúdo a ser aprendido” (CAINELLI, 2012, p. 175).

Faz-se necessário, neste momento, uma melhor explicação sobre os conceitos acima citados, o que tentaremos fazer aqui resumidamente e de maneira didática. O conhecimento histórico é sustentado por uma série de conceitos que são inerentes a ele. Esses conceitos são divididos em dois níveis: os substantivos e os de segunda ordem. Em nossa concepção, uma aprendizagem histórica significativa implica, conforme já abordamos, na realização de apontamentos coerentes sobre o passado de modo a possibilitar ao educando uma orientação para sua vida prática. Neste sentido, essa concepção de aprendizagem demanda que sejam compreendidos ambos os níveis conceituais. Assim, todos os conceitos substantivos, que podem ser traduzidos como sendo os conteúdos históricos estudados nas escolas, envolvem em sua estrutura os conceitos de segunda ordem, que são noções que viabilizam a compreensão do conhecimento histórico.

Desta maneira, compreendemos que os conceitos de segunda ordem são inerentes aos conceitos substantivos, de modo que, para chegarmos aos segundos, necessitamos compreender – ainda que não conscientemente – os primeiros (o que explica a possibilidade de serem denominados como meta-históricos).


Fig. 1
Fonte: Elaborada pela autora (2018)

Desta maneira, buscando uma representação gráfica e didática, chegamos à Figura 1 apresentada acima. A figura aponta os conceitos de segunda ordem como centrais, ou seja, como basilares na estrutura do conhecimento histórico; circundando os conceitos de segunda ordem estão os conceitos substantivos, que se servem da base para se formar. Neste sentido, para compreender, por exemplo, o conceito de “descobrimentos”, é necessário mobilizar vários conceitos de segunda ordem, como evidência, explicação, mudança, multiperspectividade, entre outros. Tal rotina se repete ao longo de todos os conteúdos substantivos, o que aponta para a indissociabilidade dos conceitos aqui discutidos.

Referências
Rebecca Carolline Moraes da Silva, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina.

BARCA, Isabel. “Educação Histórica: uma nova área de investigação”. In: Revista da Faculdade de Letras – História, Porto, III série, v. 2, 2001a, p. 13-21.

BARCA, Isabel. Educação histórica: uma área de investigação? Conferência. In. ARIAS NETO, José Miguel. Dez anos de pesquisas em ensino de História. VI Encontro Nacional de pesquisadores de ensino de História. Londrina: Atrito Art, 2005.

BARCA, Isabel. O papel da Educação Histórica no desenvolvimento social In:
CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (orgs). Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011, p. 21-48.

CAINELLI, Marlene Rosa. A escrita da História e os conteúdos ensinados na disciplina de História no ensino fundamental. In: Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 26, n. 51, jan./jun. 2012, p. 163-184.

CAINELLI, Marlene R.; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Percursos das pesquisas em Educação Histórica: Brasil e Portugal. In: CAINELLI, Marlene R.; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011, p. 9-18.

GERMINARI, Geyso. Educação histórica: a constituição de um campo de pesquisa. In: Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.42, jun. 2011, p. 54-70.

RAMOS, Márcia Elisa Teté. Educação Histórica: articulação orgânica entre investigação e ação. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de Historia. Departamento de Historia de la Facultad de Filosofía y Letras. Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza, 2013. Disponível em: <http://cdsa.aacademica.org/000-010/1110>. Acesso em 24 de setembro de 2017.

RÜSEN, Jörn. O desenvolvimento da competência narrativa na aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à consciência moral. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. MARTINS, Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2011, p. 51-78.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Consciência histórica e aprendizagem: teoria e pesquisa na perspectiva da educação histórica. In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. O ensino de história em questão: cultura histórica, usos do passado. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015, p. 37-54.



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